TAKAO KOYAMA (COMPOSIÇÃO DA SÉRIE)
— Para começar, por favor, nos diga como se envolveu nas produções da Tōei Animation.
Tudo começou quando o senhor Masamune Ochiai, que era o diretor de Don Dracula, de Osamu Tezuka, me apresentou ao senhor Keizō Shichijō, da Tōei. Então, me foi permitido participar de Dr. Slump & Arale-chan, obra na qual o senhor Shichijō atuava como produtor. Eu trabalhei como escritor em Konpora Kid, série dirigida pelo Kōzō Morishita, e acabei conhecendo o produtor Kazuo Yokoyama.
Saint Seiya foi uma oferta do senhor Yokoyama. Se não estou enganado, recebi a ligação por volta de maio de 1986. A obra original, do mestre Masami Kurumada, me foi enviada com antecedência, mas, como se tratava de um circunspecto conteúdo de ação, fiquei surpreso.
— Era uma época em que o senhor ainda tinha uma forte imagem de especialista em animes de comédia, não é?
Isso mesmo. Provavelmente havia muitas pessoas atônitas, pensando “O Takao Koyama vai escrever Seiya?!” Na época em que recebi o telefonema, como a publicação não contava nem com 20 capítulos, mesmo lendo o mangá, não consegui assimilar as configurações [do cenário] direito. Foi por isso que eu recusei a priori.
Além de Highschool! Kimengumi e Doteraman já estarem definidos, também havia Dragon Ball, razão pela qual era um período atribulado. Contudo, foi aí que o senhor Yokoyama proferiu aquelas palavras incrivelmente célebres: “Quero ver como o comediante Takao Koyama vai preparar este trabalho.”
“Como não há um só quadro de sorriso no mangá, se um escritor especializado em ação se encarregar de uma produção séria, a história ficará ainda mais pesada. Portanto, quero que você introduza uns sorrisos”. Ao ouvir essas palavras, não havia opção senão responder: “Eu farei!” (Risos.)
O fato é que o senhor Yokoyama tencionava suavizar a atmosfera da obra por intermédio da minha escalação. Respondendo a esses anseios, no comecinho, eu incluí cenas de risadas deliberadamente. Por esse motivo, fiz as crianças da Academia Filhos das Estrelas atuarem bastante. Utilizei o nome do meu filho em uma delas, o Makoto. (Risos.)
— A imagem dos personagens foi aprofundada, a exemplo do fato de Seiya se hospedar na marina, tocar violão e coisas do tipo, não é?
Foi para ganhar a empatia dos telespectadores. Ocorre que, para que as crianças que não conheciam a mitologia grega também desenvolvessem uma ligação emocional, era melhor escrever sobre a vida privada [dos personagens].
— Por outro lado, por que o senhor não usou a configuração — presente no mangá — que dizia que Seiya e os demais garotos eram todos meios-irmãos, filhos de mães diferentes?
Também ficamos espantados com aquele fato chocante. (Risos.) Já que o Ikki e o Shun são irmãos… isso significa que o Mitsumasa Kido fez com que 99 mulheres dessem à luz as crianças. Eu fugi disso sem pensar duas vezes. (Risos.)
Mesmo que fossem chamados de “100 meios-irmãos”, isso provavelmente não seria transmitido às crianças, e a batalha dos cavaleiros de bronze acabaria se tornando uma briguinha de irmãos.
— Fiquei sabendo que o senhor acabou adoecendo naquela época em virtude do excesso de tarefas.
Como estava a cargo da composição de 3 séries ao mesmo tempo, tinha de escrever 10 roteiros por mês. Porém, a princípio, eu ficava dizendo algo como: “Se eu não fizer, quem vai?”, no estilo de Casshan. (Risos.)
No entanto, uma vez que não tinha nem tempo para dormir, tive um colapso assim que escrevi o episódio 31. Entrando finalmente em pânico, os produtores e o pessoal envolvido fizeram um grande estardalhaço por cerca de uma semana, acabando por convocar o Yoshiyuki Suga para mim. No fim das contas, não consegui fazer com que se preocupassem por mais de uma semana. O fato é que, apesar de toda a minha pretensão, para a minha surpresa, eu não estava fazendo nada tão incrível assim. (Risos.)
No período em que estive de cama, comprei um processador de texto e pratiquei a datilografia deitado. Quando voltei ao trabalho, o pessoal se alegrou com a mudança para os roteiros processados no equipamento. Pois, na época dos manuscritos, sempre acabava ouvindo reclamações como “Não consigo ler a letra!” (Risos.)
Tomando a experiência como lição, passei a não exagerar no trabalho.
— E o que havia por trás da convocação do senhor Yoshiyuki Suga?
Eu o conheci quando ele ainda era um novato, em Paaman (versão de 1983). Ali o nosso santo bateu e a nossa amizade se iniciou, mas, como escritor, é um sujeito extremamente confiável. Ele tem um inexorável compromisso com os prazos de entrega e sempre mantém uma qualidade uniforme. Como se pode ter uma estimativa do script se ele estiver presente, trata-se de um escritor muito apreciado no que diz respeito à composição das séries. É por isso que ele frequentemente me dá uma força nos trabalhos de cuja composição sou encarregado. O Suga também escreveu quase a metade de Seiya, não é?
O Motonori Tachikawa, que escreveu comigo os episódios 35 e 38, é um estudante da primeira turma do Brother Noppo. Como adoeci em fevereiro e fiquei sem poder me mover até meados de março, nós realizávamos os briefings enquanto eu ficava deitado no futon.
— Numa entrevista daquela época, o senhor disse que, apesar de inserir piadas, elas eram revisadas…
Acho que houve isso mesmo. Como também não aguentamos apenas cenas de batalha, acabamos ficando com vontade de introduzir uma piadinha mequetrefe. Mas, na hora de escrever, eu pensava “Não vai entrar de jeito nenhum”. O fato é que, se elas seriam rejeitadas, tudo que precisavam fazer é deletá-las. Na época, além de não ter tempo livre para ficar preocupado, de qualquer forma, eu valorizava o ímpeto do processo de composição.
— O que exige atenção especial em produções com uma profusão de cenas de batalha, como Seiya?
Estas são palavras do Kōzō Morishita, mas a tensão dos pequenos não é contínua. Como as crianças assistem absortas ao Tōei Manga Matsuri por no máximo 15 minutos, se excederem esse tempo, elas acabam correndo pelo interior do cinema. (Risos.)
Considerando que fica intolerável se não inserirmos um descanso nos interlúdios, quando se escreve um conteúdo de batalhas, a mudança de cenário é imprescindível. Além disso, se ocorre uma sucessão de batalhas, é complicado porque o número de desenhos também aumenta.
— Ao contemplar o roteiro do décimo terceiro episódio, os movimentos no interior das batalhas estão descritos de forma bastante concreta…
Essa é uma peculiaridade do meu estilo de escrita. Eu também digo aos meus pupilos: “Deve-se escrever de forma que a imagem fique concretamente visível”. Entretanto, não é porque você descreveu a ação concretamente que o diretor do episódio fará uma igual transposição para o desenho. O essencial são as ocasiões em que a ação tem início, a ocasião na qual os protagonistas entram em apuros e o momento da virada. E é totalmente indispensável exibir as técnicas secretas. Se fosse um conteúdo de heróis de carne e osso, poderia ser também apenas uma linha no roteiro: “as batalhas heroicas continuam”.
Afinal, eles contam com a existência independente do coordenador de dublês, uma espécie de perito em batalhas. Mas, como isso não é factível em animes, é bem laborioso. Também precisamos fazer com que a tensão dos personagens do anime seja mantida.
Uma obra-prima dirigida pelo senhor Shigeyasu Yamauchi, o episódio 13 foi escrito pelo veterano Tadaaki Yamazaki
— A composição de uma série concomitante à obra original é complicadíssima, não?
Tratava-se de uma situação em que éramos obrigados a avançar sem enxergar o destino. Portanto, devemos bolar episódios que possam corresponder [aos eventos do mangá] a todo custo. Instruir outros escritores da situação para que este fim seja alcançado também é complicado. Talvez seja por isso que não ampliei o número de roteiristas no início. Porque é mais fácil uma pessoa com o domínio funcional de toda a situação escrever sozinha. Nesta condição, acho que seguimos mais rápido até o final.
— Entre outras discrepâncias, no mangá, o mestre de Hyoga é uma pessoa diferente do personagem do anime, a verdadeira identidade do Grande Mestre remonta a um cavaleiro dourado… Eliminar essas disparidades foi um martírio, não?
O fato é que, na época do início do programa, a identidade do Papa não estava definida, mas não poderíamos seguir em frente sem solidificar o cenário um pouco. Consequentemente, criei o personagem Arles. Lembro-me vagamente do Cavaleiro de Cristal. Esses personagens originais foram concebidos em conjunto com os produtores e os diretores.
— Quanto ao primeiro cavaleiro original, Docrates, trata-se de um nome bem típico do senhor…
É que eu não conhecia nenhum grego além do Sócrates, sabe? (Risos.) Por isso que é Docrates. Meu estilo?… É uma nomenclatura à Tatsunoko. (Risos.) O doutor Asamori, que desenvolveu as armaduras de aço, também tem o nome Mashin [machine] (leitura chinesa de Asamori) porque construiu armaduras mecânicas.
Recordo-me que o cenário ficou confuso por ter revelado os cavaleiros de aço. Na verdade, é complicado adicionar novos componentes do cenário num ponto em que a história já avançou um pouco. Eu pensei se eles não tinham surgido para acabar comigo… (Risos.)
Os cavaleiros de aço sumiram no meio do trajeto, mas parece que a razão foi contada na continuação do seriado, Saint Seiya Ω, não é? Essa história foi composta pelo Itsuki Itō e pelo meu filho. Nem em sonho eu poderia imaginar que a história deles seria concluída 28 anos depois. Até mesmo a trama dos cavaleiros de aço se tornou uma crônica esplêndida, não é?
Impactante, Docrates foi o primeiro cavaleiro original do anime
— O senhor se recorda dos contos exclusivos que foram publicados nos mooks daquela época?
Eu me lembro de Laços entre Irmãos, do primeiro livro. Eu escrevi coisas como “Ikki, são peixes-arroz!” e “Não gosto de andar em grupo!”, certo? Acho que o mestre Kurumada vivia aturando essas minhas presepadas. (Risos.) Do segundo, Saga! O Prelúdio da Ambição, eu não lembro. Só me lembro claramente da [parte do] “Não gosto de andar em grupo!” (Risos.)
Na época que escrevi isso, recebi bastantes cartas dos fãs. Eles me escorraçavam: “Sou fã do Ikki. Não o use em piadas!” Ainda bem que não era como hoje, a era da internet. (Risos.)
— Qual foi a impressão do senhor em relação à imagem finalizada?
As técnicas secretas que o mestre Kurumada desenha frequentemente são representadas em páginas duplas e grandes quadros do mangá, não é verdade? Eu estava ansioso para ver como aplicariam os movimentos característicos do anime a esses elementos. O Meteoro de Pégaso dispara 100 golpes por segundo, não é? Sem ter ideia de como representariam algo assim, fiquei incrivelmente aturdido quando assisti à primeira exibição prévia. Até porque o Morishita, que concebeu essas ações, se gabava de ser o “Action no Morishita” [o Morishita da ação]. Eu migrei com ele de Konpora Kid para Seiya, e depois trabalhamos juntos em Dragon Ball Z. Como temos a mesma idade, somos mais ou menos irmãos de armas, sabe? O Action no Morishita me ensinou várias e várias coisas.
— Por favor, fale-nos também da Saga de Asgard, que começou após a Batalha das 12 Casas.
O fato de ser totalmente original não quer dizer, de forma alguma, que é fácil, sabe? É tão complicado quanto bolar outra produção. Confinados numa hospedaria em Kagurazaka, nós todos fizemos uma reunião e, como havia o risco de acontecer uma sobreposição ao mangá se recorrêssemos à mesma mitologia grega, conversamos sobre utilizar outras mitologias para os inimigos. Assim, surgiu a mitologia nórdica.
Não lembro de quase nada, mas me recordo de que havia um sujeito que foi criado por lobos. Uma garota criada por lobos que tinha sido descoberta na Índia foi a sugestão.
— (Apontando no mook) Este Fenrir, não é?
Esse mesmo! A técnica secreta é Wolf… Cruelty… Claw?… Com certeza, consultamos dicionários japonês-inglês e coisas do gênero como se não houvesse amanhã… (Risos.)
Por alguma razão, me lembro dos nomes Shido [Syd] e Bado [Bud]. Este aqui nós certamente chamamos de Thor porque era alto. (Risos.)
— Por favor, diga quais personagens impressionaram o senhor.
Assim como o Joe era mais popular que o Ken em Kagaku Ninja-Tai Gatchaman, era mais divertido escrever sobre os coadjuvantes do que sobre os protagonistas. Não importa o que aconteça, o Seiya só fala coisas certinhas, não é verdade? Mas o protagonista precisa ser assim mesmo.
Pessoalmente, eu gostava mais do Shiryu. As relações humanas com o Mestre-Ancião e com a Shunrei eram claramente definidas, e a mentalidade dele também era a mais próxima da psique japonesa. Em função da perda da visão e situações afins, as histórias também eram fáceis de escrever.
Depois dele, gosto também do Hyoga. A parede eterna de gelo… As circunstâncias em que foi criado eram únicas, não é verdade? Sinto que fui atraído pela aurora… A seguir, o Ikki também era charmoso, não? Era um personagem cheio de prerrogativas especiais. (Risos.)
— Para o senhor, que tipo de trabalho é Seiya?
Para o escritor Takao Koyama, este trabalho consiste numa obra que marcou época. Nesta produção, eu estudei como mesclar ação e comédia. Acredito que, se tivesse recusado o convite do senhor Yokoyama, eu não teria me envolvido em Dragon Ball Z.
Se compararmos ao beisebol, dizem que, como o rebatedor destro acabaria ficando com o corpo curvado se balançasse o taco somente na caixa da direita, ele também utiliza a caixa da esquerda às vezes. É a mesma coisa. Graças a Seiya, consegui sair da condição de escritor especializado em piadas para me tornar um “batedor ambidestro”, capaz de escrever também conteúdos de ação.
Além disso, apesar de ter adoecido no meio, como eu estava escrevendo sozinho no início, [o trabalho] também se ligou à minha autoconfiança como escritor. De fato, aquela época foi dificílima. Mas não é que eu estivesse escrevendo a contragosto; eu estava superempolgado. Embora engendrar componentes do cenário quando não se pode vislumbrar o que há à frente seja problemático, foi divertido. E, como o programa era popular, o estafe também conseguiu dar o seu melhor.
Entrando nesse grande manto que o mestre Kurumada nos estendeu, nós também conseguimos fazer o nosso trabalho e, graças a essa sinergia, tanto o anime quanto o mangá foram ficando mais e mais interessantes. O fato é que se trata de uma série produzida no período em que nós do estafe éramos capazes de trabalhar mais duro do que nunca.
Hoje, ainda que os mesmos membros se reunissem, provavelmente não conseguiríamos fazer um trabalho desse nível. Creio que, sem dúvida, é um caso em que todos os requisitos estavam presentes. Fui realmente um felizardo por ter podido ingressar nesta produção num timing tão importante.
— Na opinião do senhor, por que a série continua a ser amada?
Penso que as pessoas que assistiam a esta produção partilhavam a mesma época. Se ouvir “Saint Seiya”, todo mundo, sem importar a idade ou sexo, consegue se lembrar do que estava fazendo, não? Eles dizem: “Na época de Seiya, eu estava em tal ano!” Tamanho foi o fascínio dos garotos e garotas pela série.
Os magníficos cenários e a história baseados na mitologia, a aventura do prosseguimento simultâneo do mangá e do anime também… creio que eles possam ter se divertido no que tange à imersão.
O fator mais importante decerto são os desenhos, não é? Os denominadores comuns, os elementos imprescindíveis às produções de sucesso, estavam todos presentes. É um fruto daquela época, certo?
Takao Koyama
Nascido em 1948, é natural de Tóquio. Em 1972, ingressou na divisão de projetos e literatura da Tatsunoko Pro. Estreando como roteirista em Inakappe Taishō, coordenou os roteiros de animes como Kaiketsu Tamagon (1972) e Shinzō Ningen Casshan (1973). Também participou do introito de Time Bokan (1975). A partir de 1975, passa a atuar como freelancer. No seriado Time Bokan, entre Zendarman (1979) e Kaitō Kiramekiman (2000), participou dos projetos, da composição das fases e dos roteiros. Como representante do grupo de roteiristas Brother Noppo, fomentou um grande número de escritores. Atualmente, leciona criação de personagens e arte visual na Universidade de Osaka. Participou de Saint Seiya com o nome Takao [高男] Koyama.