A última parte da entrevista com o fazedor de mangás de sangue quente!

Agora, a maior paixão é “Seiya”!! — São Masami Kurumada

   Mesmo sendo um “mangá shōnen” em publicação na Shōnen Jump, os personagens que aparecem são todos esplendorosos, um elenco de beldades! Saint Seiya, que tem desfraldado as “beautiful wars”, guerras nas quais até mesmo o oceano de lágrimas derramadas e o rio de sangue que jorra dos ferimentos estão imbuídos de beleza, também explode seu cosmo na June!!

   Eis a entrevista do mestre Masami Kurumada, o criador de “Seiya”, onde até mesmo uma “June da Constelação de Camaleão” dá as caras entre os cavaleiros! Esta é a sequência da primeira parte da entrevista, na qual ele falou de eventos como o ponto de partida para se tornar um autor de mangás e dos bastidores dos trabalhos.

June: O senhor assiste a filmes e a programas do tipo com frequência?

Kurumada: Ultimamente, praticamente acabo só assistindo aos vídeos que alugo, sabe? Já que, além de poder ver de bate-pronto, até mesmo no meio da noite, o que quer que seja e na hora que eu quiser, posso ver o que me agrada quantas vezes eu quiser, sabe? No entanto, ainda que seja algo predeterminado ao entrar neste mundo, mesmo quando vejo um filme, isso se torna uma espécie de coleta de material, sabe? Portanto, é como se eu não pudesse me divertir de forma genuína, entende? Hoje, colocando de forma simples, aquilo capaz de me divertir se restringe a Saint Seiya. (Risos.) As outras pessoas devem estar fazendo isto, certo?… poder ver enquanto se divertem com constatações como “ah, isto é incrível” ou “argh, isto é cafona”.

June: Ainda que, no caso dos mangás, seja frequente a revolta dos leitores quando o conteúdo acaba sendo modificado nos animes…

Kurumada: Ah, mas, conforme falamos agora há pouco, como “Seiya” estava com apenas meio ano na época em que se iniciaram as conversas para o anime, o fato de que a história logo acabaria alcançando a cronologia do mangá já estava implícito. Eu tinha a percepção concreta de que, dali para frente, seria original. Se o outro lado falasse que faria o que lhe desse na telha, seria um problema, mas, ao que parece, agir livremente é inevitável, não é verdade?

De acordo com o senhor Kōzō Morishita, diretor de núcleo e produtor da série clássica, o mestre Kurumada foi um autor cooperativo, chancelando a produção das histórias originais da produção sem criar empecilhos

Embora primeiro tenham me mostrado o design dos personagens e elementos do gênero, nessa época, eu não conhecia muito a fundo os animes, mas o senhor Shingo Araki, do character design, é uma tremenda celebridade no mundo dos animes por seus personagens bonitos, não é? Eu disse: “Ele é melhor do que eu!!” Falei que era impossível reclamar e, ainda por cima, as pernas eram longas… (Risos.) que já era o suficiente e que fizessem daquele jeito. (Risos.)

Contudo, ao ser convertido em anime, “Seiya” não recebeu críticas dizendo que o título estava intragável em função da deterioração da imagem, tampouco o ferino questionamento “mas que diabo vocês estão fazendo aí!?” Também não houve ordens para não fazer o mangá desta forma… Quero dizer, mesmo nas cartas dos fãs, a reputação do anime também é boa. Parece que também existe a questão de a imagem acabar mudando consideravelmente, mas, se tivesse de dizer se a qualidade é boa ou não, o anime tem uma boa qualidade, certo?

Célebre por ser o homem que introduziu o gekiga nos animes, o mestre Shingo Araki se tornou um verdadeiro superstar a partir de meados da década de 70, período que coincidiu com o ingresso de Michi Himeno no Araki Pro. Transformando-se no expoente máximo do boom dos personagens formosos após Ufo Robo Grendizer (1975), o mestre Araki foi apelidado de Araki, dos Personagens Bonitos [Bikei Kyara no Araki]

June: Além disso, as músicas também são vigorosas.

Kurumada: Sim, as músicas são boas.

June: O senhor ouve músicas e coisas do tipo durante o trabalho?

Kurumada: Sim, ouço. Aqui nós escutamos qualquer coisa, de música tradicional japonesa [enka] até canções populares. Mais do que artistas em especial, curtimos as canções que estão na moda… Talvez as melodias consideradas boas no período sejam as melhores…

June: O que o senhor está escutando agora?

Kurumada: Saint Seiya?… A coleção de músicas de fundo instrumentais também saiu posteriormente, mas aquele disco também não é ruim, não concorda? O título “Seiya”, como um todo, tem uma qualidade realmente boa, não?

Lançado em 21 de dezembro de 1986, um dia após a difusão do décimo episódio da série de TV, o disco Saint Seiya compilou 10 canções, incluindo o primeiro tema de abertura e encerramento. A senhora Mitsuko Horie atuou como vocalista em 3 músicas, Kibō no Tsubasa (Friends in the Sky), Saigo no Senshi (Final Soldier) e Beautiful Child

June: Quando se trata dos mangás do senhor, e isto também ocorre em Ring ni Kakero, as lutas de trocação de golpes [striking] são numerosas, ao passo que, como posso dizer, as técnicas marciais de agarramento [grappling]… (Risos.) Apesar de o senhor ter praticado judô, por que será que não houve mangás de judô?

Kurumada: Bem, não seria por causa da sensação de velocidade?… Creio que é porque há mais sensação de velocidade com o impacto de golpes traumáticos e tal. Então, em detrimento de contendores embolados, [uma luta com] dois oponentes em pé tem um quê de superioridade em atributos como beleza proporcional, não? Não importa o que se faça, ne-waza [o conjunto de técnicas de solo do judô e do jiu-jítsu] não fica bonito no desenho; não fica galante, quero dizer. Quando os dois se socam ao mesmo tempo, quando um soco acerta em cheio, quando se acerta um ao desviar de outro… Mas talvez eu faça um [mangá] em um novo campo daqui para frente. No entanto, me pergunto como se sairia o judô nos tempos atuais… (Risos.) Talvez o pro wrestling ainda tenha um pouco desse potencial… É que estou fazendo “Seiya” com um quê de “beautiful wars”, “belas batalhas”… Até mesmo o jeito que o sangue escorre é belo… Até mesmo a forma que o suor pinga é diferente dos wrestlers; é algo cintilante como as gotas de suor derramadas por jovens formosos… É esta a imagem [que tenho em mente ao fazer “Seiya”].

As guerras protagonizadas por jovens galantes e formosos enfeitiçam meninos e meninas

“Se o autor for bom em uma área, já é o suficiente.”

June: O senhor assiste a boxe real e a coisas do gênero?

Kurumada: Hum, não vejo muito, sabe? Antes, também me perguntavam o que me levou a fazer Ring ni Kakero e tal, mas, inicialmente, pode até ter sido o judô, pensava eu. Em suma, se tivesse de dizer se fiz em função de algo, pode-se fazer [um mangá] em função de qualquer coisa.

 

A capa do volume 20 da Shōnen Jump

June: É que, na Jump, a conexão com os editores é bastante grande, não?

Kurumada: Assim, ficará como as relações da June… (Risos.) Já que o relacionamento entre autores e editores é estreito…

Uma publicação do gênero boys love, a June consistia num compêndio de ilustrações, mangás e contos homoeróticos focados na relação tempestuosa — regrada por violência e sadomasoquismo — entre belos rapazes. As mulheres e a comunidade LGBTQIA+ eram o público-alvo do título

June: Seus editores mudam com tanta frequência que o senhor se refere a eles como “editor número tal”?

Kurumada: Devo estar no quinto…

June: Desta forma, as obras acabam mudando de acordo com a personalidade dos editores a cargo dos títulos?

Kurumada: Hum, é que os editores são como uma essência, um aroma. Ou melhor, como um tempero…

June: O senhor quer dizer que o cerne não muda…

Kurumada: Isto. Sintetizando, quando se fala da sensibilidade do autor, além de achar que já é o suficiente se ele tiver uma só qualidade, para começar, acho que poucas pessoas conseguem representar 3, 4… uma vasta gama de segmentos. Em suma, se for o “estilo do Kurumada”, então, é o “estilo do Kurumada”… Afinal, o corpo da mãe é 1 só. Dependendo do esperma introduzido pelo editor… (Risos.) com que cara ficará?… Com que tipo de personalidade o bebê nascerá?… A base não mudará, mas talvez seja algo concebido a partir do acréscimo bolado pelo editor.

À época da entrevista, o editor a cargo do mangá era o senhor Hideyuki Matsui. Durante a batalha na Casa de Gêmeos, o senhor Isao Ōhashi assumiu a função. Em meados de 1989, após o início da Saga de Hades, Muneharu Machida passou a desempenhar a função de editor do mangá. Machida chegou até mesmo a trabalhar como assistente nos momentos de aperto do mestre Kurumada

June: Com o autor do mangá sendo a genitora e com o editor sendo o pai, é como se houvesse várias crianças com pais diferentes, não é? (Risos.) Além disso, existem autores com 100 filhos… (Risos.)

Kurumada: Como quem está fazendo é o autor do mangá, não é porque o editor mudou que a obra mudará 180 graus, não é verdade?

 June: Os 3 pilares da Jump são “amizade, esforço e vitória”. E, nos últimos tempos, “doçura”, não? O senhor certamente deve ter ouvido falar disso, não?

Kurumada: Não, não ouvi. No entanto, parece que o “esforço” tem desvanecido bastante. Mostrar a “vitória” é realmente imperativo, não é verdade? Quando se fala do Hyūma Hoshi, havia um tremendo trabalho duro, certo? Então, a parte doce da vitória era meio diminuta. Mesmo assim, ao que parece, se apenas as partes de sofrimento se sucederem semana após semana, os leitores não suportam e acabam abandonando a obra no meio do caminho.

Hyūma Hoshi, o protagonista de Kyojin no Hoshi, o mangá de beisebol com roteiro do legendário Ikki Kajiwara e desenhos do mestre Nobuo Kawasaki, é o epítome do trabalho duro. O progresso do lançador é lento e excruciante. Encampando o sonho do pai, Ittetsu Hoshi, um prodígio que foi obrigado a se aposentar após ser ferido na Segunda Guerra Mundial, o menino utiliza até mesmo um mortificante traje mecânico para aprimorar sua capacidade física. Aparentemente, o mestre Kurumada se inspirou nesse traje para criar a máquina utilizada no treinamento de Jun Kenzaki, o antagonista de Ring ni Kakero

June: É que, antes, você poderia ser bem-sucedido se agisse dessa forma, não? Antigamente, mesmo sendo pobre, você talvez pudesse ficar rico e tal… Havia esse tipo de sonho no qual a pessoa poderia ficar forte se impusesse a si mesma uma lista pesada, mas, hoje em dia, como acabaram se dando conta de que isso já não é possível na realidade também, pelo menos no mangá, querem poder triunfar rapidamente, não?

Kurumada: Como a realidade é cruel, talvez haja a questão se ela teria de ser assim até nos mangás. Contudo, antigamente, se [o personagem] ficasse forte de uma hora para outra, soaria como uma mentira deslavada, mas, hoje, me pergunto se teria algo diferente…

June: Parece que as garotas são particularmente frias, não é? Dizem preferir os gênios instantâneos.

Kurumada: Eu entendo, sabe? É que, por exemplo, vendo o futuro do homem com quem você se casará, é melhor escolher um sujeito que já é rico hoje por ser filhinho de papai que ficar com um cara que, embora seja pobre hoje, tem previsão de ficar rico daqui a 10 anos. Em vez de comer o pão que o diabo amassou por 10 anos… poderia embarcar no BMW do par e passear por aí…

O estúdio do mestre Kurumada

June: Elas também já não querem pensar muito no futuro. Só querem saber do presente. (Risos.)

Kurumada: É por isso que o mangá é para o divertimento. Creio que seria melhor se houvesse mais partes divertidas.

June: Ao desenhar um personagem como o Kenzaki, um bonitão que tem um ótimo pedigree e já é um prodígio inato, em vez de entrar um pouco no personagem e agir de forma esnobe, o senhor o faz pensando “Este miserável”? (Risos.)

Kurumada: Não, não penso isso, não. Bem, antigamente, era desagradável; afinal, eu não era tão afortunado. É por isso que, à medida que fui passando a conquistar as coisas que ambicionava, passei a ser capaz de vê-los com uma distância, sabe?

Kenzaki e seu fã-clube feminino

Ora, antigamente eu não tinha o prestígio de um pai influente, fortuna, educação formal nem pernas longas… (Risos.) Não tinha nada, sabe? Mas, quando se fala do mangá, é uma profissão, ou melhor, um mundo no qual você pode conquistar coisas que seriam impossíveis para uma pessoa comum, se tiver sucesso, não é? Mas, se você não tiver sucesso, a disparidade abissal é cruel… Nesse sentido, passei a ser capaz de enxergar coisas como homens lindos e homens poderosos com relativa serenidade, sabe? 

Milionário, genial e um símbolo sexual, Kenzaki é um arquétipo da masculinidade

June: A propósito, aquele modelo em que um bando de pessoas se digladia em times de uma vez, um padrão que data por volta da época de obras como Iga no Kagemaru, é realmente interessante…

Kurumada: Em Ring ni Kakero, eu com certeza fiz um arremedo desse padrão de Iga no Kagemaru, não é? Na Jump de hoje em dia, todo mundo acabou lançando mão de batalhas similares, não é? É por isso que [a revista] acabou ficando abafada. (Risos.) Ao contrário deles, não tenho a intenção de utilizá-lo. Eu fiz essa espécie de padrão em que os inimigos e os 5 aliados se enfrentam individualmente, não é? Agora estão fazendo isso até em mangás de comédia. É por isso que, embora haja desta vez uma espécie de trama em que a turma de Seiya vai marchando dentro do chamado “Santuário” e duela com as armaduras douradas do lado do Grande Mestre, o que mais me tira o sono agora é a forma como vou executar esse padrão. De qualquer forma, não quero muito empregar um paradigma parecido. É que eu mesmo não consigo repetir aquilo que acabei fazendo uma vez.

A contragosto do mestre Kurumada, o velho formato de enfrentamento de times, inerente aos mangás com múltiplos protagonistas, acabou se repetindo na Batalha das 12 Casas

June: O chamado objetivo final é por vezes difícil de compor, não é? Ainda que, em certo sentido, a luta em si seja um objetivo, uma causa justa é indispensável, não é verdade? Como proteger a paz da Terra… Esse tipo de coisa decerto deve ser difícil de criar hoje em dia…

Kurumada: Na verdade, penso que a razão pela qual uma espécie como a dos humanos luta com unhas e dentes é por si mesma. Creio realmente que o ser humano gosta mais de si mesmo, conseguindo mostrar tudo que tem para proteger a si mesmo, sabe? Mas, no caso dos mangás, o romance acabaria indo para o espaço se dissesse algo como: “Vou lutar por mim mesmo”. Ao dizer que é pela paz da Terra e tal, também fica parecendo uma tremenda mentira. É uma questão de como encontrar um ponto adequado, sabe?

O mestre Kurumada possui uma verdadeira “gaveta de ideias”. Obrigado a abandonar seu conceito próprio de “deusa” em virtude da epifania de Saori e da missão dos cavaleiros, ele reaproveitaria essa noção para fundamentar o sacrifício de Cassios por Shaina

Na verdade, no cenário primacial, mais do que indicar a Saori Kido, a “deusa” talvez fosse uma referência às garotas mais amadas por cada um. Com a “deusa” sendo diferente para cada um, eles meio que lutariam para proteger sua “deusa”… Também havia esse cenário, sabe? Por exemplo, se fosse o Seiya, ele lutaria pela irmã mais velha. Isto seria a “deusa”.

Sendo um mero soldado, Cassios não devota sua vida à deusa Atena, e sim à mulher amada, encampando a concepção de “deusa” do mestre Kurumada, a musa inspiradora

 

“É melhor quando há mais partes divertidas no mangá.”

June: Faz sentido. Depois, havendo o questionamento de quem seria protegida primeiro, acabaria virando uma espécie de história de conflito interno.

Kurumada: É que os verdadeiros inimigos ainda não deram as caras. Quando falo em verdadeiros inimigos, existem as estrelas malignas, que se contrapõem às 88 constelações. O fato é que agora elas estão seladas e aprisionadas.

A origem terrena dos espectros e o destino das 108 estrelas malignas

É por esse motivo que, uma vez a cada intervalo de centenas de anos, quando a “deusa” nos é enviada, elas irrompem com tudo, entende? Como as vestimentas deles parecem alienígenas, são pegajosas. São vários asuras de classe alien. E são 108 deles, sabe? (Risos.)

É fascinante constatar a prefiguração da obra na mente fecunda do mestre Kurumada. Em maio de 1987, ele já tinha a ideia conceitual dos espectros, os grandes inimigos dos cavaleiros. Evocando a imagem aterrorizante do monstro extraterrestre do filme clássico de Ridley Scott, as sobrepelizes têm formas teratológicas

June: Assim como os desejos mundanos…

Kurumada: Exatamente. É por isso que eles também têm os nomes de cada uma das estrelas que se contrapõem às constelações, a exemplo das “estrelas terrestres” e das “estrelas celestes”.

A missão do Mestre-Ancião seria revelada no primeiro capítulo da Saga de Hades, em 7 de fevereiro de 1989

É por isso que, sendo eles os verdadeiros inimigos, além de também possuir o condão de mostrar o que são os cavaleiros, agora é uma espécie de “prólogo”, um período dedicado a botar ordem na casa. Na região da Índia, há pagodes que parecem ter um monte de furos… Esse tipo de torre é o cenário das estrelas malignas, das 108 estrelas confinadas, sabe?

Pagodes do sul da Índia

Personagens como o Mestre-Ancião estavam de guarda até hoje para que o selo não se desfizesse, mas, quando seu tempo de vida se esgotar, não terão escolha a não ser confiar [a missão] a homens como o Shiryu… Trata-se de um período crítico assim, sabe?

No introito da Batalha das 12 Casas, o mestre Kurumada já havia concebido até mesmo o design do cárcere das 108 estrelas malignas

June: Então, quer dizer que personagens como o Mu também estão vigiando [a torre]?

Kurumada: Isso mesmo. Já que ele também é [um dos que portam] uma armadura dourada, não é? Bem, a idade dele também é complicada… Não pegaria bem se ele tivesse derrotado e confinado [os inimigos] há várias centenas de anos… (Risos.) Se fosse um tipo como o Mestre-Ancião, daria para ter duzentos e tantos anos de idade; contudo, se disséssemos que até o Mu tem essa idade avançada, seria repulsivo. É melhor deixá-lo com 18 anos mesmo.

Para resolver a desconformidade da idade elevada do Mestre-Ancião com a cosmogonia particular dos cavaleiros, garotos que usam seus corpos jovens para guerrear por Atena, o mestre Kurumada “reciclaria” a técnica Misopethamenos, uma espécie de coma regenerativo utilizada pela mística equipe de boxeadores da Grécia em Ring ni Kakero (1977). Em Saint Seiya, a técnica Misopethamenos seria convertida num tipo de estase fisiológica, prevenindo o envelhecimento de Dōko de Libra em seus 243 anos de vigília nos Cinco Picos Antigos

June: Estava me perguntando aqui, mas qual seria a idade média do Seiya e dos outros rapazes?…

Kurumada: 13, 14 anos. Uma vez que o Seiya foi enviado ao Santuário 6 anos atrás, nessa época, ele tinha por volta de 7 anos, certo? Portanto, todos têm 13, 14 anos… (Risos.) batendo com a idade da principal faixa de leitores da Shōnen Jump.

June: Então, personagens como o Ikki também têm a mesma idade?

Kurumada: Isso mesmo. Ele parece mais velho, não é? (Risos.) Os homens que portam as armaduras de ouro, como o Aiolia e o Mu, estão com esta idade, por volta de 17, 18 anos. Como são jovens que protegem a deusa, se passassem dos 20 anos, não seriam lá muito jovens, não é? (Risos.)

Ainda que a turma de Seiya exiba uma constituição física compatível com a de garotos com uma idade superior, a idade oficial dos personagens foi estabelecida pelo mestre Kurumada a fim de fomentar a identificação do público-alvo com os protagonistas e inseri-los no mito dos garotos que têm consagrado suas vidas a Atena desde tempos imemoriais. Ciente dessa “mentirinha de mangá”, o saudoso produtor Yoshifumi Hatano pediu aos mestres Araki e Himeno que elevassem a idade dos garotos em 2 ou 3 anos. Dessa forma, enquanto Seiya, Shiryu, Hyoga e Shun foram redesenhados como adolescentes de 15 anos de idade (estudantes da nona série), o Ikki do anime foi delineado com a compleição de um jovem entre 17 e 18 anos de idade (estudante do terceiro ano do ensino médio)

June: Quanto aos golpes secretos, ou melhor, os ataques mortíferos, o senhor pensa nos nomes depois que as técnicas já estão prontas? Ou o senhor as confecciona depois que já pensou nos nomes?

Kurumada: De fato, os nomes são praticamente todos colocados depois. Ao fazer as técnicas desse tipo de imagem, deixo vazio apenas o espaço para os balões. Quando estou extremamente ocupado e acabo colocando apenas o esboço, mais tarde, por telefone, peço para fazer assim ou assado… É por isso que, de vez em quando, cometem uns erros… O Hō Yoku Tenshō [Voo das Asas da Fênix] vira Hōō Tenshō [Voo da Fênix] e tal…

A composição de nomes espalhafatosos para as técnicas de luta dos personagens é uma marca registrada dos mangás do mestre Masami Kurumada

June: Na confecção do storyboard do mangá [漫画のネーム], o que lhe dá mais dor de cabeça? Compor o highlight do capítulo é complicadíssimo…

Kurumada: Embora eu chame esse “highlight” de “núcleo”, a primeira coisa é o que será o núcleo, certo? Por exemplo, esse “núcleo” é [o fato de] todo o pessoal acabar virando pedra. Mas por que apenas o Shiryu não foi petrificado?… Porque tinha seu escudo. Desta vez, mesmo assim, ele acabou tendo metade do corpo empedernida. E agora?… O que ele vai fazer? Vamos vendar os olhos. Mesmo assim, não adiantou. E agora? O que ele vai fazer?… Do jeito que está, mesmo que eu faça isto, será inútil. Visto que nem isto aqui nem aquilo adiantaria, como última medida, destruo até mesmo os olhos? Tudo bem se ficar com os olhos destruídos?… Será que dará certo fazendo uma coisa assim?… É que eu preciso ir escalando até o limite, entende?

A busca do “núcleo” e da solução dos conflitos aumenta a dramaticidade das cenas

June: O fato é que o senhor mesmo vai criando e resolvendo os dilemas, não é?

Kurumada: Sim, sim. É por isso que os leitores também acham interessante e ficam se perguntando o que acontecerá em seguida, entende?

June: Solucionando perguntas tão difíceis que nem mesmo o senhor sabe o que acontecerá…

Kurumada: Sim, elas provavelmente se tornarão o “núcleo”, entende? É por isso que já não há outra resposta senão furar os olhos.

June: Quando se fala de seus personagens formosos, há muitos que olham para baixo… com os olhos cerrados… e também personagens cegos, não é?

Kurumada: Sim, são frequentes. O “Shaka”, de agora, também é assim.

June: Existe alguma razão para ele estar com os olhos fechados?

Kurumada: Isto é porque se diz que o momento em que ele abre os olhos é a hora mais assombrosa; quando ele arregala os olhos, é realmente terrível, sabe? Esta expressão (Apontando para a capa do volume 13) foi boa, não?

Trazendo o onipotente Shaka de olhos fechados, a bela capa da Shōnen Jump suscitou muitas dúvidas entre os leitores

June: Sim. Sendo assim, e quanto à paixão atual do mestre?

Kurumada: É Saint Seiya. Embora haja a família e valores do gênero em minha vida, o mais importante — embora talvez seja exagerado chamar de propósito de vida — é fazer deste trabalho uma boa obra, entende? Ser um fazedor de mangá é como escrever um diário. Eles também ficarão para a posteridade ao virar encadernados, certo? É uma profissão que podemos chamar de trabalho, mas, entre os fazedores de mangá, talvez sejam raros os que a consideram 100% trabalho. Na hora que pensarmos que é 100% trabalho, não apenas não conseguiremos desenhar uma boa obra mas também pensaremos que não há razão para tamanho desgaste mental. É por gostar [de desenhar mangá] que a gente consegue suportar coisas como passar a noite em claro. É aquela vontade de desenhar uma boa obra, sabe? Além disso, penso se não seria muito bacana ir para uma revista que não vende e fazê-la explodir com o seu trabalho… Acontece muito, não?… um treinador de beisebol ir para o último time da liga e fazê-lo vencer o campeonato… (Risos.)

June de Camaleão, que apareceu de repente com um chicote na mão!? (Volume 16)

June: Isso é muito legal, não é?

Kurumada: Bem, é que ainda existe a gana de desenhar na revista mais lida pelos leitores, não é mesmo? (Risos.)

 

Ficha

Nome real: Masami Kurumada. Nascido em 6 de dezembro de 1953, é do signo de Sagitário! Natural de Tsukishima, Tóquio, seu tipo sanguíneo é A. Por adorar Otoko Ippiki Gaki Daishō, levou seus trabalhos à Shōnen Jump e, depois de trabalhar como assistente do senhor Kō Inoue, fez sua estreia com a obra Sukeban Arashi, em 1974.

Depois do grande hit Ring ni Kakero, um mangá ímpar de boxe em que produziu técnicas secretas como Galactica Magnum, Rolling Thunder Special e Devil Propose, lançou Fūma no Kojirō, Otokozaka e Raimei no Zaji. Atualmente, está desenhando Saint Seiya. O papel de seus mangás é o papel de desenho Sakura. A caneta é a Kabura Pen Zebra.

Quanto à leitura, como aprecia o gênero dos romances históricos, gosta de Ryōtarō Shiba, Eiji Yoshikawa… Os filmes favoritos são Documentos da Yakuza [Batalhas sem Honra e Humanidade], O Poderoso Chefão etc.

A sortuda que ganhou o prêmio oferecido no número passado, o desenho autografado pelo mestre Kurumada, é da cidade de Tama. Você mesma, você que escreveu “É por isso que estou dizendo que o Kirikaze é o mais lindo!!”

 

 

 

 

 

 

 

 

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Aficionado sectário de Saint Seiya desde 1994, sou um misoneísta ranzinza. Impelido pela inexorável missão de traduzir todas as publicações oficiais da série clássica, continuo a lutar. Abomino redublagens.

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