KŌZŌ MORISHITA (DIRETOR E PRODUTOR DA SÉRIE)
— Para começar, por favor, conte-nos a história a partir do início do projeto.
Era um projeto tocado por pessoas como o Yoshifumi Hatano, da produção, e o Ken Ariga, chefe da divisão de projetos na época. Naqueles tempos, o competidor do horário das 19 horas dos sábados, o Manga Nippon Mukashibanashi, tinha uma força avassaladora, e, pensando que não poderíamos vencê-lo com o mesmo conteúdo familiar, nós o enfrentamos com impacto.
Eu fui contatado após a finalização de The Transformers: The Movie, que fiz no exterior. Foi por volta do período em que o Ikki tinha aparecido na serialização da Shūkan Shōnen Jump e, como ainda não havia um estoque de mangás, indaguei ao mestre Masami Kurumada o desenvolvimento futuro. Ao perguntar, adquiri a convicção de que, se fosse daquele jeito, poderíamos fazer como um conteúdo de ação e concebi o cenário junto com o Takao Koyama, do roteiro.
Era um cronograma infernal, com o roteiro ficando pronto em julho e a difusão começando em outubro. Ainda que ambos os segmentos sejam produções animadas, o modo de fazer uma série original é diferente do jeito de produzir um trabalho derivado de um mangá; e, até então, eu só vinha lidando com conteúdos originais. Entretanto, o mestre Kurumada tinha o seguinte pensamento: “Mesmo que não siga integralmente o mangá, não tem problema”.
Como ele aprovou tanto os personagens do senhor Shingo Araki quanto a história proposta por nós, foi tão fácil de fazer quanto uma produção autóctone.
— Quem escolheu o senhor Araki para o character design?
Nós e os produtores conversamos e decidimos. A obra do mestre Kurumada tem a imagem de delinquentes juvenis que trabalham pela justiça, e o senhor Araki adicionou inocência a esses personagens másculos. Eu fiquei atônito na primeira vez que vi os personagens finalizados.
A primeira vez que trabalhei com o senhor Araki foi em UFO Robo Grendizer, e o episódio que dirigi, o capítulo 68, Maria na nevasca, me impressiona até hoje. Os desenhos nos quais o senhor Araki realizou a supervisão de animação tinham uma qualidade que rivalizava com a das produções para o cinema.
Além disso, as armaduras da versão animada também tiveram seu desenho concebido pelo senhor Araki e pela senhora Himeno. Como o mestre Kurumada aprovou o design miniaturizável que os dois engendraram, os brinquedos daquela época (linha Saint Cloth) se tornaram um sucesso.
— E como decidiram a escalação do elenco?
Acho que, no caso deste trabalho, escolhemos por uma audição. Nesta produção, eu conheci os senhores Hirotaka Suzuoki, Kōichi Hashimoto e Ryō Horikawa. Impressionante mesmo foi a Atena da senhora Keiko Han, não é verdade?
O fato de ter o frescor característico dos novatos e, ainda assim, um ar de intelectual foi ótimo. Ela nos fez o favor de interpretar a personagem conforme a imagem da Saori retratada na abertura, antes da consolidação dos componentes do cenário.
— A abertura, cujo storyboard é da autoria do senhor, foi fabulosa. Naquela época, ficamos surpresos com o fato de o quinteto encabeçado por Jabu ter recebido o mesmo tratamento dos personagens regulares.
O mesmo ocorreu com a Atena, de quem falei agora há pouco. Mas isso se deveu ao fato de a abertura ter sido criada num período em que não sabíamos dos acontecimentos futuros. Contudo, creio que atualmente não há muitos diretores capazes de realizar um storyboard tão detalhado. Embora seja chato por se tratar de autopromoção… (Risos.)
— Por favor, fale dos diversos experimentos incorporados nesta produção.
Para expressar a textura das armaduras, eu mesmo fiz a paleta de cores. É que, embora fosse a época da pintura manual, a inserção de sombras e luzes não podia faltar. Além de consumir tempo e dinheiro, até mesmo um período de secagem se tornou necessário. Eu era repreendido pela companhia o tempo todo. (Risos.)
Além disso, como também fazíamos os cabelos em duas cores, ao adicionar as sombras às cabeleiras, o número de tonalidades aumentava ainda mais. E os cenários densos do estúdio Mukuo também eram uma característica distinta. Ciente da profundidade dos desenhos do estúdio Mukuo e do senhor Araki, eu também os estudei bastante.
— Os protagonistas se digladiam com adversários superiores e, mesmo sendo subjugados, realizam uma virada no final. O senhor pensou em como fazer uso desse charme do mangá?
Essa é a lei basilar das obras da Jump. Quando se pensa que os 5 finalmente venceram ao se unir, um chefão ainda mais poderoso aparece em seguida. Acho que é este desenvolvimento emocionante que invoca a popularidade. Para fazer o máximo uso dessa tensão, prolongávamos a história tanto quanto fosse possível. Creio que seja por isso que a turma de Seiya era deixada num estado mais lastimável que no mangá. No entanto, quando aparecia o Meteoro de Pégaso da virada, a luta logo era decidida, não é verdade? (Risos.)
Eu fui incumbido de dirigir a primeira produção para o cinema, Éris, a Deusa Maligna, mas, devido à limitação da extensão dos filmes, foi dificílimo. Foi por esse motivo que estruturei o média-metragem em “virada e conclusão”, e não em “introdução, desenvolvimento, virada e conclusão”. Afinal, os inimigos aparecem de repente… (Risos.)
Esse expediente só é possível por causa dos personagens. Porque o panorama do universo já está consolidado, certo? Além disso, o protagonista é mesmo o Seiya. Não é possível que os 5 cavaleiros de bronze lutem na mesma medida. É por isso que, em todas as vezes, o desenvolvimento se transfigura no fenecimento sucessivo dos outros 4 e na vitória do Seiya, adortado com o cosmo deles, sobre o grande inimigo. Ainda assim, os populares entre os fãs são o Shiryu e o Hyoga… É complicado. (Risos.)
— A direção daquelas tomadas em que eles caem de cabeça ao receber o ataque do inimigo ou são arremessados com o rosto rasgando o chão era impressionante…
Essas também são técnicas para mostrar a profundidade. Como a distância em relação ao inimigo se ampliará se eles forem atirados para longe, a tela se converterá numa composição com profundidade. Aquelas tomadas em que eles passam um pelo outro com um soco visando o adversário ocorriam porque eu queria uma “reserva”.
Se houvesse uma “reserva”, não poderíamos saber quem venceu de imediato. O que eu tinha em mente eram as cenas mais legais dos filmes de espada, a exemplo do confronto entre Toshirō Mifune e Tatsuya Nakadai em Tsubaki Sanjurō. Por assim dizer, o primor do estilo japonês. Nós estávamos fazendo isto por intermédio da “sensação”.
Além disso, eu pensava demasiadamente em ideias de ação, como os fragmentos de pedra revolvendo no ar etc. Ter de conseguir a aprovação dos fãs enquanto incorporamos essas partes autóctones é a dificuldade dos conteúdos derivados de mangás.
— Como vocês realizavam a concatenação de personagens originais e histórias?
Naquela época, como os quadrinhos estavam em publicação, se não incluíssemos trechos originais, o anime acabaria alcançando o mangá. No entanto, ainda que tenhamos seguido a mesma trilha pelo fato de que não ficaria bom se parecesse uma obra totalmente diferente do mangá, no meio do caminho, percebemos um andamento com aquele cheiro que denunciava: “Tem algo diferente aqui”. Poderíamos dizer que é como a construção de um desvio, não é? (Risos.)
Como o mestre Kurumada acalentava o seguinte pensamento: “Se for interessante, eu não ligo”, ele praticamente não enviou retificações a nossas ideias. Na hora de arquitetar as histórias originais, nós todos nos arregimentávamos em Izu. Começávamos por decidir os nomes dos personagens. O Ōko, dos episódios 33 e 34, foi um personagem que eu concebi.
A filosofia de vida de homens toscos mas maneiros. Tínhamos em mente, acima de tudo, a expressão dos sentimentos do Seiya, o protagonista. Além disso, no que tange à qualidade, penso que lançamos por terra o senso comum dos animes de TV convencionais. Porque introduzimos desenhos e histórias comparáveis aos dos filmes em um anime, que era um artigo de produção massificada.
Além de não podermos enfrentar o Manga Nippon Mukashibanashi com uma produção meia-boca, a energia do estafe também transbordava na época. Os artistas, a começar pelo senhor Araki, também tiveram ideias, e esse desvelo do estafe notavelmente fez jus à popularidade do mangá.
— A partir da Saga de Asgard, o senhor atuou como produtor, e não como diretor de núcleo, não é verdade?
É que se gasta demais com minha forma de trabalhar. (Risos.) Aquela época foi o período em que profissionais como o Daisuke Nishio e o Yokio Kaizawa entraram na companhia, e a empresa estaria perdida se até essa nova geração me imitasse. Antes que isso acontecesse, decidiram que era melhor eu sair de cena. “É exatamente por ser capaz de elaborar todas essas coisas que você é mais apropriado para as áreas de projetos e produção” — eles disseram. (Risos.)
Mesmo recebendo esse tipo de reprimenda, ter podido realizar um trabalho com esmero em todas as áreas foi uma boa experiência. Creio que é um trabalho que se tornou um paradigma para as produções posteriores. Inclusive para as produções extrínsecas à Tōei Animation. Entretanto, aquela sensação de trabalho artesanal, ou melhor, o trabalho que revela as peculiaridades dos criadores e dos diretores de episódios… aquilo só se materializou por ter sido feito naquela época.
Já que hoje uma miríade de profissionais combina seus esforços para produzir, passamos a não poder mais criar trabalhos com a personalidade dos de antigamente.
— Na opinião do senhor, por que a produção de nome Saint Seiya continua a ser amada?
O absurdo de continuarem a se erguer como ervas daninhas para arrostar pessoas poderosas e também a amizade para com os companheiros. É provavelmente porque todos esses princípios nobres estão ínsitos na obra. Além do mais, como os equipamentos de gravação de vídeo não eram difundidos como hoje, as pessoas que gostavam de Seiya precisavam assistir à série em tempo real.
O número de residências familiares que adquiriam um videocassete para gravar animes era limitado. Penso que foi justamente por ter sido numa época como esta que os espectadores simpatizaram com a turma de Seiya e acompanharam a série com um frio na espinha. E hoje, 30 anos depois, acho que, sem perder essa paixão, entre eles há pessoas cujas vidas foram extensivamente influenciadas por Seiya. Afinal, extrapolando a órbita dos animes, elas jamais esquecerão aquilo que mais as cativou em sua vida.
Kōzō Morishita
Nascido em 1948, é natural da cidade de Shizuoka. É o atual presidente do conselho de diretores da Tōei Animation. Após ter debutado na direção de episódios em Cutie Honey (1973), atuou primacialmente em produções originais. Participou de um sem-número de trabalhos como diretor de episódios, diretor, produtor e membro do planejamento. Entre seus trabalhos mais representativos estão obras como Kikō Kantai Dairugger XV (1982), Kōsoku Denjin Albegas (1983), Video Senshi Lezarion (1984), Konpora Kid (1985) e Dragon Ball Z (1989). Nos últimos anos, se encarregou da direção de Ezuka Osamu no Buddha — Akai Sabaku yo! Utsukushiku (2011).