— Para começar, gostaríamos que a senhora nos contasse toda a história de como ingressou em Saint Seiya.
Atendemos ao pedido do senhor Yoshifumi Hatano, produtor da Tōei Animation. Como a obra original havia acabado de começar na época da oferta, nem mesmo o primeiro encadernado estava à venda. Assim, ao receber cópias das revistas da Jump do senhor Hatano, nós as usamos como uma referência para o trabalho.
Como eu já gostava de mitologia grega, consegui penetrar facilmente no universo da obra.
— Como a senhora e o senhor Araki dividiam o trabalho no design?
Trocando opiniões enquanto fazíamos nossos esboços, íamos desenhando até que finalmente chegássemos à versão definitiva.
Como o senhor Hatano nos disse que gostaria que elevássemos a idade da turma de Seiya em dois ou três anos, nós empreendemos uma diferença de constituição física de modo que deixamos o Ikki com uma compleição de estudante do segundo grau, ao passo que os outros quatro ainda eram estudantes do ginasial.
— O design das armaduras do anime é da senhora e do senhor Araki, não é?
Houve muitas e muitas reviravoltas até chegarmos às versões finais. Basicamente, fizemos arranjos enquanto mantínhamos a imagem do mangá. Além disso, como elas são artefatos em contato direto com a pele humana, tomamos cuidado para que não ficassem muito soltas.
Inicialmente, fomos trabalhando no Seiya, no Shiryu e no Ikki ao mesmo tempo. Nesse período, o desenho das armaduras era baseado na obra original. Como as cores ainda não haviam sido definidas, nessa ocasião, elas foram matizadas com a cor do próprio bronze.
Nós também fizemos os 3 com esse design para pôsteres preliminares de propaganda do programa, mas depois veio a demanda da Bandai por um design mais palatável para os brinquedos. Então, mudamos para desenhos como os de hoje em dia.
A priori, usamos como premissa algo fácil de operar em termos de anime. Nós basicamente seguimos o mangá na distribuição das partes dos objetos, mas o senhor Hatano disse: “Não tem problema se houver umas peças a mais”…
Fiquei sabendo que sofreram muito na coordenação de cores por não poder usar tonalidades de amarelo em função da diferenciação dos cavaleiros dourados, que apareceriam no futuro.
— Por favor, fale-nos do conceito dos 5 garotos da turma de Seiya e suas respectivas armaduras.
Processamos as máscaras em formato de elmo para fazer com que os personagens fossem facilmente reconhecidos. Talvez seja uma influência dos elmos em forma de leão de Uchū Densetsu Ulysses 31, uma colaboração franco-nipônica. (Risos.)
Quanto aos saiotes, nós pensamos naquelas túnicas greco-romanas. É que, ao cobrir os quadris com um tipo de saia, o processo de animação fica mais simples. Afinal, é uma mão na roda não ter de desenhar até mesmo a movimentação da virilha. (Risos.)
É claro que, tratando-se do Shiryu, era mais fácil desenhá-lo sem a armadura. Muito embora eu pensasse “Se ele vai tirar a armadura no meio da luta, seria melhor não vesti-la desde o início”… (Risos.)
No que tange ao Hyoga, eu me recordo que ele tirou o primeiro lugar num concurso de popularidade de uma revista de animes antes da difusão, mas, naquele mesmo lugar, ele estava sendo chamado de “Cavaleiro de Penico” (devido ao formato do objeto). (Risos.)
Em contraste com a armadura de Dragão, em que pensamos na aparência de escamas, concebemos a armadura de Cisne com a imagem de penas em mente.
Como desenhamos as fichas de configuração do Shun com a forma inicial do mangá, no começo, ele tinha uma constituição física um pouco mais corpulenta. Na versão final dos esboços, nós o redesenhamos com um corpo franzino.
A princípio, como acabamos desenhando as 2 extremidades da corrente num formato retangular, me recordo que fomos corrigidos pelo mestre Kurumada, que disse que uma delas era uma corrente circular, usada para a defesa. Os suspensórios das roupas casuais foram uma ideia minha.
No caso do Ikki, nós o delineamos como um vilão. Considerando que, nos primórdios do mangá, ele estava sempre com a máscara, nós não sabíamos como era a franja do seu cabelo. Como ele tinha uma cicatriz entre as sobrancelhas, a concepção se baseou na imagem da franja do Makoto, de Ai to Makoto. Fizemos as pontas da cauda da armadura em forma de coração por influência da obra O Pássaro de Fogo, do mestre Osamu Tezuka. Eu me pergunto se o coração não é mais encantador… (Risos.)
O motivo pelo qual cortamos 1 fileira da cauda em relação ao mangá não foi outro senão facilitar a animação. (Risos.)
Levando em conta que foi uma via-crúcis até que as fichas de criação do quinteto de Seiya fossem definidas, nós pensamos no resto dos cavaleiros de bronze depois que os 5 foram concluídos. O único que tinha a ordem do objeto disposta era o Jabu. Além disso, também desenhamos as fichas de configuração das figuras de animais que aparecem atrás da turma de Seiya.
Por se tratar de um período em que não sabíamos se a Saori se tornaria a verdadeira Atena ou não, nós confeccionamos as fichas de configuração com aquela imagem de “ar de superioridade” do começo do mangá.
Personagens de cabelo comprido como a Saori e o Shiryu eram abominados pelos animadores. O fato é que desenhar personagens cabeludos em ação é particularmente trabalhoso.
Por outro lado, personagens como o careca Tatsumi e o Kiki, que tem poucos acessórios, eram adorados. (Risos.)
— Personagens como o Shura e o Afrodite tiveram as fichas de criação do anime confeccionadas antes que pudessem dar as caras no mangá, não é?
Isso mesmo. É por isso que o Afrodite foi desenhado com uma constituição musculosa. Como não houve tempo para retoques, trabalhamos com as fichas daquele jeito mesmo. Na versão do pachinko, eu finalmente consegui redesenhá-las.
No que se refere ao Cavaleiro de Libra, usamos as proporções do Shiryu como referência. Como nem sonhava que ele voltaria a ser jovem nos OVAs de Hades: A Saga do Santuário, naquela época, eu me perguntava se conseguiria colocar pelo menos um escudo no Mestre-Ancião… (Risos.)
— Então, por favor, conte-nos histórias sobre os personagens originais.
Como devem imaginar, personagens que não existem no mangá são muito complicados. No caso do primeiro, o Docrates, como sequer possuía uma ordem em especial, ao traçar uma miríade de linhas, acabou sendo decidido que eu mesma o desenharia, decisão que acarretou meu arrependimento. (Risos.)
Os cavaleiros-fantasmas, por sua vez, são idênticos aos mutantes da Gel-Shocker*, não é verdade? (Risos.) Nós selecionamos no mar os temas de personagens como o Golfinho e o Medusa, mas, no caso do Cavaleiro de Cristal, um mineral é o tema! Olhando para trás agora, foi interessante. (Risos.)
Disseram-nos que os originais não precisavam de temas baseados em constelações, mas talvez tenha sido uma precaução a fim de evitar que coincidissem com personagens que apareceriam no mangá posteriormente.
As ilustrações das fichas de configuração do Cavaleiro de Cristal são imagens de perfil porque o livro ocidental que utilizamos como referência era uma publicação destas poses. Tínhamos em mente o estilo art nouveau.
Já a capa foi colocada para facilitar o desenho. Como a maioria dos cavaleiros de ouro também usava uma capa, isso nos ajudou muito. O alívio por não ter de desenhar o dorso das armaduras foi ensejado pelo aumento da produtividade no trabalho. (Risos.)
Quanto aos cavaleiros de aço, fomos inserindo os personagens dentro dos croquis que a Bandai produziu para as armaduras. Fui eu quem concebeu o design das roupas de baixo.
Visto que também fiquei surpresa com o surgimento de personagens mecânicos num universo mitológico, tomei cuidado para que não houvesse uma sensação de desconforto mesmo que estivessem ao lado da turma de Seiya. Jamais imaginei que tornariam a aparecer em Saint Seiya Ω…
Foi o mesmo com os guerreiros-deuses da Saga de Asgard. Fazendo arranjos nos esboços originais dos trajes divinos e encaixando os personagens.
Inicialmente, a armadura de Odin foi confeccionada como o traje divino do Alberich de Megrez; entretanto, como foi decidido no meio do processo que a faríamos equipar o Seiya, refizemos, de forma original, o traje de Megrez.
— Além desses que a senhora citou, há outros convidados impressionantes?
No início, meu trabalho era conceber as fichas de configuração dos personagens a partir dos esboços do senhor Araki, mas, como eu já sabia o que ele estava pensando, no meio do percurso, também houve personagens confiados totalmente a mim. Esse foi o caso de personagens como o Arles, o Gigas e o Faeton, no episódio 16, a Helen, dos episódios 54 e 55, e a Hilda e a Freya [Frea], no episódio 74.
Além disso, uma vez que o Misty parecia a Oscar, de A Rosa de Versalhes, eu fiquei preocupada, pensando se isso não viraria um problema, sabe? (Risos.)
Eu fui incumbida da direção de animação dos personagens convidados nos episódios produzidos em concomitância com os filmes. Foi assim com a June, com o Albiore e com os demais.
O fato de a June envergar a armadura sobre o corpo totalmente nu em sua primeira aparição no mangá foi uma surpresa. (Risos.)
Como passou a uma configuração na qual ela usava roupas de baixo no encadernado lançado posteriormente, na versão para pachinko, eu também a refiz em conformidade com essa retificação.
— E quanto a episódios impressionantes?…
Em primeiro lugar, a aura do Meteoro de Pégaso e a forma de aplicar a transmissão luminosa foram impressionantes. Como aquilo é feito mediante a técnica de dupla exposição, imagino que o pessoal da fotografia tenha comido o pão que o diabo amassou.
No episódio 16, Colossal! O ataque devastador de Docrates, foi impactante quando o Docrates ficou segurando a senhorita Saori como uma boneca Licca-chan e quando ele dá no pé ao ouvir as sirenes da polícia. Será que foi daquele jeito que ele passou pela imigração? (Risos.)
No episódio 30, Queime! Cosmo do amor, foi muito difícil colocar a brigada de corvos em movimento. Como o Jamian em si era simples, foi fácil desenhá-lo.
Quanto ao episódio 57, O terror do vazio! Shaka abre os olhos, por se tratar de um storyboard do senhor Shigeyasu Yamauchi, recordo-me que a direção foi incrivelmente surreal. Alterando extensivamente a expressão dos semblantes e fazendo o espectador sentir a pressão do vento, foi uma direção aterradora.
— Existem dificuldades exclusivas deste trabalho?
Já que, a despeito do poder, todos trajam armaduras, desenhar os personagens é mais complicado do que em qualquer outra produção. É por isso que, naquela época, nos devotávamos apenas a este trabalho.
Além disso, o senhor Araki e eu também estávamos fazendo as ilustrações das embalagens da linha Saint Cloth, brinquedos comercializados na época. Como foi uma nomeação da Bandai, nós aceitamos, mas, considerando que esse serviço foi levado a cabo ao mesmo tempo que o trabalho na TV e nos filmes, foi um perrengue, sabe? Uma vez que o trabalho no licenciamento foi aumentando de forma proporcional à popularidade da produção, para ser franca, eu fiquei aliviada quando a série de TV acabou. (Risos.)
Contudo, de todas as produções em que estive envolvida até hoje, a mais árdua foi A Rosa de Versalhes. Além de fazer a direção de animação de todos os episódios, a partir da segunda metade, quando o senhor Osamu Dezaki (Makura Saki) passou a desenhar os storyboards, o prazo ficou mais e mais apertado. Lembro que, no final, nós estávamos finalizando um episódio por semana.
No caso de Seiya, o sistema de um diretor de animação para cada episódio foi uma grande bênção.
— Na opinião da senhora, por que motivo a série Saint Seiya continua a ser amada por uma legião de pessoas?
Acredito que seja porque o zelo dos profissionais envolvidos na produção foi transmitido aos fãs. O trabalho em Saint Seiya foi excruciante; no entanto, como sou do tipo capaz de se divertir quando está desenhando, a despeito da pressão para cumprir o cronograma, eu sempre procurava fazer a melhor produção possível no tempo delimitado.
É presunção eu mesma dizer uma coisa assim, mas penso que, do ponto de vista de um animador, entre os trabalhos daquela época, trata-se de uma produção de qualidade extremamente elevada.
— Soubemos que, atualmente, a senhora está desenhando os personagens da versão Pachinko, não é verdade?
Na época do primeiro, começando pelo Seiya de Sagitário, eu consegui desenhar os personagens que não pude retocar no período de difusão na TV.
Na imagem da versão para pachinko, fiz novos desenhos de personagens como o Afrodite, de quem falamos agora há pouco, e de personagens com os quais não pude lidar na série de TV, a exemplo da June.
A propósito, estou trabalhando numa versão da turma de Seiya trajando as primeiras armaduras de bronze com as proporções dos OVAs de Hades: A Saga do Santuário.
— Para terminar, gostaríamos que a senhora enviasse uma mensagem direcionada aos fãs.
Após o fim da série de TV, ficamos sossegados por um tempo, mas, com o advento da era da internet, pessoas de outros países passaram a visitar o Araki Pro.
Já recebemos ligações internacionais do México e até visitantes que percorreram todo o caminho da França e da Itália até aqui. Como não consigo falar absolutamente nada em inglês, eu tomo a liberdade de desligar após dizer: “I am Japanese, only sorry”. (Risos.)
Nessas horas que tomei ciência de que Saint Seiya é popular em todo o mundo.
Então, depois da série de TV, os OVAs de Hades: A Saga do Santuário e o quinto filme foram produzidos, o Pachinko teve início e, quando me dou conta, faz quase 30 anos que continuo desenhando o Seiya. Estar envolvida há tanto tempo numa produção amada por tantas pessoas é uma honra e também uma incomensurável alegria.
Tudo isso se deve ao enorme contingente no estafe do anime, a começar pelo mestre Kurumada e pelo mestre Araki, e também a todos os fãs espalhados pelo mundo, que sempre nos apoiaram. Eu realmente lhes sou muito grata.
Michi Himeno
Natural da província de Hyōgo, ingressou no estúdio Araki Production após ficar mesmerizada por Babel II (1973), série com direção de animação a cargo de Shingo Araki. Incumbida das imagens intermediárias, imagens-chave e do character design de personagens convidados em sua produção de estreia, UFO Robo Grendizer (1975), passa a assinar o character design e a direção de animação em dupla com senhor Araki nas obras subsequentes. Entre seus trabalhos memoráveis, figuram produções como Hana no Ko Lunlun (1979), A Rosa de Versalhes (1979), Yokoyama Mitsuteru Sangokushi (1991), Aoki Densetsu Shoot! (1993), a quarta série de Gegege no Kitarō (1996) e Yu-Gi-Oh! Duel Monsters (2000). A exemplo de Saint Seiya, também participou da série de OVAs de Fūma no Kojirō (1989) e da série Ring ni Kakero 1 (2004), produções de Kurumada.