Ardor! História Extrínseca
Corrente Nebulosa: Laços entre Irmãos

Elucubrava-se se Ikki havia morrido na luta com Docrates, mas, no final das contas, ele era a Fênix. Em segredo, ele foi ao encontro de Shun e o convidou para uma visita ao túmulo de sua finada mãe. Mas uma sinistra sombra se aproximava de Shun, que voltara à mansão dos Kido! Retratado pelo senhor Takao Koyama, o escritor-chefe da série, é o desconhecido “laço” entre os irmãos do destino, Ikki e Shun!

 

“Ikki, são peixes-arroz!”

“Shun, não gosto de andar em grupo!”

 

   O sino da capela do orfanato Filhos das Estrelas reverberava taciturno. Seiya e os demais chamavam esse sino, que ressoava sem falta às seis da manhã, seis da tarde e ao meio-dia, de “Sino da Esperança”. As badaladas, que pareciam curar os corações feridos das crianças despojadas de laços estreitos com os pais, eram apreciadas por Seiya.

   Até a véspera de seu aniversário de 6 anos de idade, o dia em que foi separado à força da irmã mais velha por causa do grande poder e influência de Mitsumasa Kido, presidente da Fundação Graude, não se sabe quantas vezes Seiya ouviu essas badaladas.

— Mana, sinto como se escutasse o som desse sino mesmo antes de virmos para cá…

   Certo dia, quando Seiya murmurou essas palavras no encalço de suas memórias de infância, Seika respondeu como se recordasse:

— Seiya, é que também havia uma igreja perto da casa em que a gente vivia com o papai e a mamãe antes de mudar para cá. Quando escutava as batidas do sino, você ia à loucura e ficava gritando “dingue-dongue” sem parar.

— Hum…

   Estranhamente, Seiya já havia se esquecido há muito tempo do rosto dos finados pais, mas lembrava-se até hoje dessas palavras de Seika.

— Mana, onde você foi parar? — pensava.

— Seiya! Seiya!!

Seiya voltou a si com a voz de Makoto.

   Seiya, que visitava o orfanato tencionando aproveitar a folguinha que surgiu depois de um longo tempo derrotando os assassinos enviados por Arles, o Grande Mestre do Santuário, foi atraído pelo sino da capela, que ficava em frente ao pórtico.

   Ao que parece, enquanto olhava instintivamente para o campanário, ele se lembrou da conversa com irmã.

— Ah, é você, Makoto?

   Trazendo Akira e Tatsuya a tiracolo, Makoto, o moleque mais levado da escola, estampava um sorrisinho no rosto.

— Como você não respondia nem por decreto, devia estar pensando na Miho de novo…

— Isso mesmo.

— São mesmo feitos um para o outro. — Akira e Tatsuya continuaram dando uma de espertinhos apenas para fazer média com Makoto.

— Chega de falar bobagem! Aqui ó! — diz Miho, entregando um pacote com donativos a Makoto.

— Ahh, é mesmo! Miho, o Seiya chegou!

   Lutando para ver quem seria o primeiro e sem conseguir esconder a felicidade, a turma de Makoto, carregando a alegria nas costas, foi correndo em direção ao parque.

   Com um sorriso no rosto enquanto via a turminha de Makoto ir, Seiya havia esquecido completamente de que era o Cavaleiro de Pégaso Ali, ele se sentia unicamente o “mano Seiya”, nada mais.

   No topo de um cômoro ligeiramente elevado, um outeiro de onde se podia ver o mar, Shun estava com o irmão mais velho. Era um solo sagrado, o local onde os mortos dormiam em companhia de incontáveis sentimentos.

   O cândido coração de Shun palpitava mais que o normal. É que, de alguma forma, Ikki, o irmão com quem trocara golpes uma vez, a exemplo de suas estrelas protetoras, havia renascido como a Fênix. E agora, colocando-se ombro a ombro com o irmão mais novo, como um confiável aliado, esse irmão se encontrava diante do túmulo de sua falecida mãe por ele. Para Shun, isso era um sonho.
   Enquanto pensava que, nem mesmo antes de o irmão ser enviado à ilha Rainha da Morte em seu lugar e de ele mesmo ter sido mandado à ilha de Andrômeda, deve ter havido uma coisa assim, um sentimento ardente foi preenchendo o coração do Cavaleiro de Andrômeda. Abruptamente, as lágrimas vão descendo pelas bochechas de Shun, e Ikki não deixa de notá-las.

— Shun, não chore. Se você chorar por nossa mãe, ela não poderá descansar em paz…

Shun balançou fortemente a cabeça em negativa.

— Não é isso, Ikki. Para mim, poder estar com você desta forma é maravilhoso… A partir de agora, ficaremos sempre juntos, certo?

— Shun, sou um homem que já ergueu os punhos contra vocês.

— Irmão…

Impassível, Ikki mudou o assunto da conversa.

— Shun, você não lembra do rosto da nossa mãe, não é?

— Não.

— É natural. A mamãe morreu quando você ainda era um bebê.

— Você se lembra, não é verdade?

— Sim.

— Que tipo de rosto ela tinha?

— Ela se parecia bastante com você.

— Comigo… Ela não se parecia comigo; eu que devo me parecer com ela…

— Hum, algo do tipo.

Raramente, um sorriso se alocava nos lábios de Ikki.

— Irmão, eu acabei fazendo você ir para a ilha Rainha da Morte no meu lugar. Perdão.

— O que está feito está feito.

— Mas, por minha causa…

— Shun, de fato, não há como negar que a ilha era um inferno. Se alguém encarasse aquele lugar com uma mentalidade normal, logo acabaria reduzido a um punhado de ossos… Mas, até nos tornar cavaleiros, todos nós, em maior ou menor escala, comemos o pão que o Diabo amassou por 6 anos, suportando um dia a dia infernal que não queremos recordar, horrível como mastigar areia… Todos carregam um destino manchado de sangue nas costas.

— …

   Com um olhar que parecia fitar um lugar longínquo, Ikki começou a falar como se seguisse lentamente as lembranças:

— Se Esmeralda não estivesse lá comigo, eu provavelmente não voltaria a pisar no Japão desta forma.

— Esmeralda?…

— Sim, a filha do meu mestre.

— …

— Suponho que tenha sido o único anjo de cavaleiro que Deus pôde enviar àquela ilha estéril em meu auxílio, um inferno árido tanto de corações humanos quanto de clima e solo.

— Anjo de cavaleiro?

— A garota que carregava o mesmo sangue do homem que me transformou por completo numa massa de ódio era uma criança inacreditavelmente meiga. Se não tivesse o sorriso de conforto da Esmeralda, sem dúvida alguma, eu jamais me reencontraria com você desta forma.

O rosto sorridente de Esmeralda emergiu nos pensamentos de Ikki.

— Além disso, talvez por algum desígnio celeste, Shun, Esmeralda era idêntica a você.

— Idêntica a mim?

— Se desprezarmos a cor do cabelo e o fato de ser uma mulher, ela era a sua cara.

— Isso… Isso é…

— O alojamento que recebi na ilha Rainha da Morte era um úmido e embolorado porão de pedra. Havia esqueletos espalhados por todo o chão… Naquele covil imundo, eu dormia todas as noites como se estivesse morto… mas era encorajado por Esmeralda e, a cada vez que via o rosto dela, eu me lembrava de você e conseguia continuar lutando para voltar ao Japão com a armadura de Fênix.

   Sem conseguir resistir, Shun, que ouvia enquanto arfava oxigênio, perguntou:

— Irmão, essa pessoa chamada Esmeralda…

A expressão de Ikki se fechou.

— Ela morreu. É como se eu a tivesse matado.

   O rosto de Ikki estava repleto de desaprovação, como se dissesse: “Não pergunte mais”, e Shun, servilmente, assim o fez. Nessa hora, um relâmpago correu no céu oeste, e um trovão distante trovejou baixo.

— Irmão…

— Sim, parece que vai chover. Mãe, para proteger Atena, nós cavaleiros estamos sempre prontos para sacrificar as nossas vidas. Por isso, pode ser que não possamos vir a este lugar novamente.

— Mas, Ikki… nesta hora, poderemos ficar todos juntos no mundo em que a mamãe está…

— Hum, ainda assim, não desperdice a sua vida, Shun.

— Eu sei, já não sou mais um bebê chorão. Sou Shun, o Cavaleiro de Andrômeda.

— É para lutar até o fim, como homem.

— Irmão, eu lhe prometo diante da mamãe.

— Isso — aquiesceu Ikki com a cabeça.

   Nesse instante, um trovão distante ressoou novamente. Os irmãos do destino, que haviam virado suas costas à lápide da mãe, não tinham como saber que esses trovões distantes eram o aparecimento do cosmo dos sicários que os espreitavam.

   Quando os irmãos desceram o morro e estavam para cruzar a ponte que atravessava o riacho, Shun percebeu algo na superfície da água.

— Mano, são peixes-arroz!

De fato, na margem que Shun apontava enquanto espiava, um cardume de peixes-arroz nadava à vontade.

Como se fosse cuspir, Ikki balbuciou:

— Shun, não gosto de andar em grupo.

— Huh…

   Quando Shun se virou, de uma hora para outra, Ikki já não estava mais lá.

— Mano, mano!

   Como se suprimisse a voz de Shun à procura de Ikki, um trovão ecoou, e uma chuva grossa, que parecia fuzilar o inimigo sob a sua mira, caiu fazendo barulho. O temporal perfurava a superfície da água como uma metralhadora, e o cardume de peixes-arroz, sem perder para Ikki, desapareceu num átimo.

   Deixado para trás sozinho, Shun teve o corpo alvejado sem clemência pela tempestade relampejante, e sua camiseta, como se congelasse num só instante seu coração alegre, logo se transformou num andrajo ensopado.

“Ikki, os gansos selvagens estão voando em direção ao céu austral!”

   Quando Shun retornou, completamente encharcado, à fachada da mansão Kido, infelizmente, Tatsumi, que ciceroneava visitantes em companhia de Saori, estava para vir em sua direção. E o mordomo, com sua habitual voz estridente, que parecia aglutinar sua postura totalmente desagradável, sua falta de modos e sua sordidez, bradou:

— Shun, mas o que é isso!? Essa aparência… é um desrespeito diante dos convidados. — Vá para a entrada de serviço! para a entrada de serviço!

“Shun, não gosto de andar em grupo!”

   Apressando-se, Shun fez um sinal de reverência aos convidados e estava prestes a rumar para a entrada destinada aos serviçais quando Saori o chamou calidamente.

— Eu não me importo, Shun. Passe por aqui e vá imediatamente para o banho.

— Senhorita Saori… Senhorita… Não pode fazer isso! Se… se demonstrar doçura a esses sujeitos, eles se aproveitarão, e isso vai virar um hábito — protestou o capacho, fazendo jus à reputação de cão fiel.

Saori prosseguiu, ignorando-o completamente.

— Um cavaleiro provavelmente não pegaria um resfriado nem ficaria acamado só com isso, mas se cuidar é sempre a melhor medida.

— Obrigado, senhorita Saori.

— Tatsumi, eu me despedirei dos visitantes. Quanto a você, leve o Shun até o banheiro.

—Eu!?

— Isso mesmo. Ou será que não pode ouvir a minha ordem?

— Não, claro que não. Venha, Shun.

— Tatsumi, Shun está molhado da cabeça aos pés. Deve ser difícil entrar nesse estado. Carregue-o nas costas.

— Hein, de cavalinho?!

— Exatamente.

   De todo o seu corpo, Tatsumi fez queimar um arremedo de cosmo de repúdio. Ardendo em chamas, parecia que a qualquer momento sairia vapor de sua careca.

— Tatsumi!…

   Já que Saori o instou como se o admoestasse, ele não pode fazer nada além de obedecer. Assentindo relutantemente, ele se curva.

— Shun, suba logo nas minhas costas.

— Desculpe.

   Sem qualquer sentimento de gratidão durante essas palavras e sem reservas, Shun subiu nas costas largas de Tatsumi, deixando cair o seu corpo.

Mas Tatsumi não sossega se não pregar a sua lengalenga:

— Shun, quando as pessoas esquecem uma coisa chamada cerimônia, o bom senso, é o fim. Em sua infinita sabedoria, Deus nos concedeu até as palavras “não, obrigado”. Lembre-se muito bem disso.

   Enquanto reclamava, seguiu por um longo corredor com Shun nas costas.

Ao se despedir, Saori percebeu que a figura de Ikki não estava presente, e a insegurança perpassou seu coração:

— Eu me pergunto o que há com o Ikki… Se… será?…

   Enquanto tomava banho, Shun também voltara a pensar em Ikki.

— Mano, mesmo que estejamos para ser separados por um destino similar a uma tormenta… nós temos o mesmo pulsar da vida… Quanto mais formos afligidos por sofrimentos, mais o nosso elo se fortalecerá, como uma corrente nebulosa. Não é, mano? — pensou Shun.

   Se tivéssemos de apontar o rapaz mais afeminado da turma de Seiya, a escolha recairia sobre Shun, mas o corpo musculoso desse homem é como uma escultura grega, e sua pele formosa, herança de uma mãe cujo rosto desconhece, continua a repelir esplendidamente a água quente do chuveiro.

— Não importa o que aconteça, eu acredito em você, irmão…

“Irmão, vamos pegar uma sauna?”
“Shun, não gosto de lugares abafados!”

   Parecendo responder à súplica de Shun, um flash de relâmpago corta o céu, e como se o corpo escultural tivesse se deparado com os raios de um refletor, a bela silhueta vai emergindo na meia-luz crepuscular do banheiro.

   Recebendo a água quente que jorrava do chuveiro, no coração de Shun, que havia esfriado gradualmente, o calor humano recrudesceu, exortando o belo garoto a ponderar:

— Irmão, divida seu sofrimento comigo também… Para apagar as memórias ruins, deve haver coisas que até eu sou capaz de fazer…

   Aparentando esperar impacientemente que Shun — já envolvido num roupão de banho — saísse do lavabo, Saori se dirigiu a ele:

— Shun, você estava com o Ikki, não é?

Num instante, a cor da desilusão passou nos olhos de Shun, que começou a explicar calmamente:

— Ao que parece, para o meu irmão, o fato de ter sido nosso inimigo virou um problema. É por isso que ele está refratário à ideia de ficarmos sempre juntos, lutando enquanto ajudamos uns aos outros…

— Aquele sujeito era do contra desde os tempos de moleque. Realmente, um tipo intratável! — disparou Tatsumi, parecendo aborrecido.

—Tatsumi! — Saori repreendeu.

— Sim, mas… mas, senhorita…

— Ikki também se tornou nosso confiável aliado. Ele é o Cavaleiro de Fênix, imprescindível para cortarmos pela raiz o mal que corrompe o Santuário.

   Ao decretar isso, os olhos de Saori estavam inundados pelo fulgor da confiança.

O sorriso retornou à face de Shun.

— Senhorita Saori, Shiryu e Hyoga saíram?

— Sim, Shiryu voltou aos Cinco Picos Antigos, e Hyoga, à Sibéria.

— Entendo. Seiya também foi ao orfanato, não é?

— Sim, parece que recebemos um aviso de que ficará lá esta noite.

A fisionomia de Shun se fechou.

— Todo mundo tem um lugar para o qual retornar. Estou com inveja…

— Shun, mas você também tem um lugar para voltar.

— Heh?

— O lugar ao qual você retorna é esta casa. Não há por que ficar constrangido ou se comedir. Considere esta casa o lar em que você nasceu e não hesite em se portar como quiser.

— Senho… Senhorita Saori…

   O brilho voltou às pupilas de Shun. Nelas, a imagem de Saori era fixamente refletida. — Tsc, sujeitos de sorte! — murmurou um Tatsumi totalmente enraivecido.

   Nessa noite, mesmo na cama, Shun não caia no sono de jeito algum.

— Eu me pergunto onde estará o meu irmão agora… Será que ele está dormindo numa cama quentinha? Se não tivesse ido para a ilha Rainha da Morte no meu lugar, o destino do meu irmão também seria completamente diferente… É tudo culpa minha… Perdão, Ikki…

   Sempre que o rosto de Ikki aparecia na mente de Shun, ele sumia. Sem resistir, Shun pula da cama e abre a janela, deparando-se com um céu totalmente estrelado. — Oh! Mesmo em Tóquio… pode-se ver as estrelas assim? Onde quer que esteja, meu irmão certamente deve estar contemplando esse espetáculo… Ó estrelas de Andrômeda, aproximem os nossos corações para que algum dia possamos vê-las juntos.

Nesse momento, a sua compleição mudou.

— Esse cosmo lancinante…

   À luz das estrelas, inclinou seu corpo para fora da janela e observou rapidamente a área da residência. Ele concentrou todos os seus nervos.

— Agora que Seiya e os outros não estão aqui, não há ninguém além de mim para proteger a senhorita Saori. Estão apostando no nome do Cavaleiro de Andrômeda…

   Seus olhos pousaram sobre o telhado do planetário que o finado Mitsumasa amava. No instante seguinte, o corpo de Shun passou pela janela, e ele correu de olho na estrutura. Então, respirando profundamente, duvidou dos próprios olhos, pois reconheceu a sombra no alto do planetário. Gotículas de suor brotaram da testa de Shun.

— A… aquela é a armadura de Fênix. Não pode ser…

Abandonado à própria sorte, o coração de Shun estava como uma folha atirada para lá e para cá pelo mar revolto.

— Mas o que é esse cosmo repleto de maldade? Não, parece até uma massa de ódio! Por… Por que o meu irmão?…

   Shun não podia acreditar. O mesmo Ikki que poucas horas antes havia dito que, se fosse para proteger Atena, sempre daria a própria vida, agora estava queimando um cosmo tão maléfico…

— Irmão, por favor, pare com essa piada!

Mas a sombra em cima do telhado nada diz.

— Que diabo aconteceu?!

— …

   Um cosmo semelhante a uma punhalada desafiava ainda mais todo o seu corpo. Gradualmente, a respiração de Shun entrara em colapso, mas ele ainda não havia se dado conta disso.

   O Fênix em cima do telhado levantou a mão direita. Imediatamente, 4 sombras, vindas de um lugar desconhecido, se reuniram e, como pivôs, se postaram em forma de leque diante do combatente protegido pela ave imortal.

— Im… Impossível! Aquela é a armadura de Andrômeda! Até as armaduras de Pégaso, Dragão e Cisne… É isso! esses sujeitos são os cavaleiros negros!

O Fênix Negro finalmente quebrou o silêncio:

— Ha, ha, ha, ha! Shun, parece que finalmente percebeu. Sou o Fênix Negro, o homem que reuniu novamente as armaduras negras no lugar do seu irmão!

— Fênix Negro…

A transpiração foi umidificando as mãos de Shun.

— Isso mesmo. Viemos de muito longe para mandar o Ikki, que fracassou em morrer na ilha Rainha da Morte, para o outro mundo. Onde está o Ikki?!

— Lamento, mas, se vieram atrás do meu irmão, perderam seu tempo. Ele não está aqui.

— O quê!?

— Nós nos separamos de dia, durante a trovoada.

— Hum, se é este o caso, melhor ainda. Sendo você, nós lhe daremos um banho de sangue. Vamos chaciná-lo!

   Fênix Negro faz outro sinal levantando o braço direito e, numa fração de segundo, as quatro sombras cortam o espaço para encurralar o compassivo irmão de Ikki.

— …

   Shun não estava usando a armadura de Andrômeda. Se pelo menos estivesse com a armadura, a corrente, a rede defensiva da parede de ferro, o orgulho de Andrômeda, reagiria rapidamente e montaria uma formação de batalha que nem mesmo uma formiga pode transpassar, mas o perigo se aproximava a cada segundo. De repente, as correntes do Andrômeda Negro vieram zunindo pelo ar.

Num salto desesperado, Shun conseguiu evitá-las por muito pouco.

Com um sorriso jocoso, o Andrômeda Negro declara:

— Dragão Negro, Cisne Negro, Pégaso Negro, permitam que eu me encarregue do Shun.

Dragão Negro e os demais aquiescem com um movimento de cabeça e se afastam.

Depois de encurralar Shun em seu raio de ação, o cavaleiro negro bradou com arrogância:

— Shun, vista a sua armadura e venha! É um duelo para determinar quem triunfará, essa sua corrente de bronze ou a minha corrente negra.

— É isso mesmo que eu queria.

   Resoluto, Shun não perde tempo para envergar a armadura. Por sua vez, a corrente de Andrômeda reage tinindo e logo começa a armar sua intransponível formação defensiva.

   Queimando seus cosmos, Shun de Andrômeda e Andrômeda Negro se confrontam. Impelidas por um vendaval, nuvens negras escondem a lua crescente e vão passando novamente. Banhando-se na luz que escapava das fendas entre as nuvens, as correntes dos dois deflagraram seu esplendor faiscante. Subitamente, a corrente de Shun passou a mimetizar a forma da nebulosa de Andrômeda.

— Tome isto!

   Sibilando, a corrente negra avançou sobre o cavaleiro de Atena. Reagindo instantaneamente, a corrente de Shun também alçou voo. Como duas najas com pescoços arqueados, as correntes do bem e do mal colidem no espaço entre os rivais e, soltando faíscas, são arremessadas de volta. Um equilíbrio perfeito.

— Só podia ser a grande corrente de Shun de Andrômeda. Mas o que fará contra isto?!

Andrômeda Negro se põe em guarda numa distância satisfatória e, no instante seguinte…

— Corrente Nebulosa Negra!!

Cortando o ar, as malignas correntes transformaram-se, uma a uma, em serpentes e foram investindo contra Shun.

— Uwaaaaa…

   Até mesmo a nebulosa de Andrômeda foi pega desprevenida. Embora tenha destruído sem misericórdia um grande número de víboras, as serpentes que deslizaram pela defesa pregaram suas presas no corpo de Shun e foram se enroscando no Cavaleiro de Andrômeda.

— Ughh…

Deve-se dizer que, em desvantagem na batalha, o formoso rosto de Shun se deformou em agonia.

— Uhhhhh!

Braços, pernas… As cobras se enroscam em todo o corpo e vão constringindo-o.

— Uhhh!!

— Tsc, brincadeira de criança. Mas não se pode esperar outra coisa do irmão mais novo de Ikki, que traiu o Mestre Arles.

— Como é?!

— Bem que falam que irmão de covarde, covarde é.

— Não… não ligo que fale de mim, mas falar mal do meu irmão é imperdoável!

A fúria incendiou o cosmo interior de Shun.

— Ugh… O meu irmão é o meu orgulho!

A cosmoenergia foi se elevando mais e mais.

— O quê?!

   Ignorando o ataque do Andrômeda Negro, o cosmo emanado de todo o corpo de Shun mandou todas as víboras pelos ares de uma só vez. As cobras, que caíram em pedaços, voltaram à forma original.

— Maldito!

   A soberba do Andrômeda Negro se tornou rancor, e não passou despercebido a Shun que, de sua fronte, vertia o segundo filete de suor.

— Andrômeda Negro, vou lhe mostrar o verdadeiro poder da minha corrente e a sua derrota. É o seu castigo por me deixar realmente irritado.

— O que está dizendo?! Ainda não compreendeu o terror da corrente negra?! — a corrente negra foi desfechada.

Shun reagiu sem perder tempo.

— Corrente Nebulosa! — a corrente, o orgulho de Andrômeda, foi lançada.

   Como se cada elo criasse vida, a retumbante cadeia da nebulosa foi atacando o Andrômeda Negro.

— Ugh!!

   Tendo cada centímetro do corpo fortemente alvejado pela corrente nebulosa, o perverso Andrômeda Negro desapareceu, deixando para trás um grito de pavor.

   Embora tivesse derrotado o primeiro, não havia tempo de descanso para Shun, que foi imediatamente cercado por Pégaso Negro, Dragão Negro e Cisne Negro.

— Irmão, lutarei como homem até o fim.

   Mas ele estava em menor número. Ainda que a corrente nebulosa voasse por todas as direções, com o Pégaso Negro disparando seu Meteoro Negro, o Cisne Negro desferindo sua Nevasca Negra e com o Dragão Negro desfechando o Dragão Ascendente Negro seguidamente, Shun foi vítima de um linchamento. O tétrico grupo deu prosseguimento à tortura, reduzido o Cavaleiro de Andrômeda a uma situação desesperadora, de vida ou morte.

Contando vantagem, o odioso Fênix Negro proclama:

— Shun, você perdeu! É melhor cair no inferno obedientemente.

— Não, não vou perder. Sou o único irmão de Ikki de Fênix.

   Instigando o corpo ferido, Shun levantou a guarda, reassumindo a postura de luta, mas já não era inimigo para eles.

— Ugh… ugah…huh…

   Como um saco de pancadas, acabou recebendo os ataques inclementes do Pégaso Negro e do resto da choldra. Os olhos de Shun estavam vazios. Agarrando o ar com as mãos, ele tombou de cara no chão.

— Pégaso Negro, aplique o golpe de misericórdia!

   Anuindo à ordem do Fênix Negro, a maldosa contraparte de Seiya se preparou para atirar o Meteoro Negro; contudo, nessa hora, da mesma forma que uma shuriken, uma pluma cortou o ar, tocando seu rosto tenuemente.

— Quem… quem é?! — vociferou o Pégaso Negro.

   A Lua foi coberta por nuvens negras, e as trevas tornaram-se ainda mais densas. Em meio à escuridão, a voz de Ikki de Fênix ecoou:

— Armaduras negras são patéticas. Como se atrevem a incomodar o meu irmão?! Vou lhes devolver em dobro tudo que fizeram! — trajando a armadura de Fênix, Ikki apareceu galantemente, dissipando a escuridão.

— Ir… Irmão… eu sabia que você voltaria para mim.

— Shun, já está tudo bem.

   Do topo do telhado, o Fênix Negro esbravejou:

— Ikki, seu traidor! Estávamos esperando você dar as caras. Seguindo a ordem do Mestre Arles, purgaremos você. Entregue-se servilmente e embarque para o outro mundo!

Ikki olha para cima, fitando o Fênix Negro.

— Ora, mas não é o Ritahoa?

O semblante do Fênix Negro mudou subitamente.

Enquanto conferia também os rostos do Pégaso Negro e dos demais, como se estivesse surpreso, Ikki foi chamando-os pelos nomes, um a um.

— Você é o Kenuma; você é o Jido, e você é o Shinadekuro, não?

   Tendo seus nomes chamados, Pégaso Negro e os demais olharam para o chão, parecendo envergonhados.

— Hum, na época em que reuni as armaduras negras, vocês eram a escumalha da ilha Rainha da Morte, uns pobres-diabos, Ritahoa. Ah, é! agora é Fênix Negro, não? Mas que piada! Se têm amor à vida, sumam da minha frente de imediato!

   Mas o altivo Fênix Negro também não perde a oportunidade de contar vantagem:

— Ikki, se pensa que somos os mesmos de antigamente, está muito enganado. Para acabar com os cavaleiros de bronze, nós recebemos um treinamento especial no Santuário. Além disso, o próprio Mestre Arles nos incumbiu a missão de eliminar você, seu traidor.

— E daí?!

— Se derrotarmos vocês, receberemos permissão para realizar formalmente o treinamento de cavaleiro na ilha Rainha da Morte. É a nossa primeira e última chance, e vamos agarrá-la com unhas e dentes! Peguem-no! — ordenou a Pégaso Negro e aos demais.

   Mas o mundo dos cavaleiros não é um lugar em que homens que demonstraram fraqueza uma vez são aceitos. Tanto o Pégaso Negro, chamado de Kenuma, quanto o Cisne Negro, chamado de Jido, e o Dragão Negro, chamado de Shinadekuro, eram impotentes contra Ikki.

— Ave Fênix!!

   Com um dos golpes selvagens de Ikki, o trio é pateticamente mandado pelos ares. O único que restava era o Fênix Negro, Ritahoa. Agora, as duas fênices se confrontariam.

— Ritahoa, as armaduras negras sempre serão existências das sombras. Yin-yang. Em outras palavras, se você é yin, eu sou yang. Lamento, mas, mesmo que o céu e a terra troquem de lugar, algo como o yin suplantar o yang é bastante improvável.

— Ikki, ao que parece, a única coisa que se fortaleceu no período em que ficamos afastados foi a sua boca grande. Logo saberemos quem é yin e quem é yang. Kiehhhhhhhhh!! — com um agudo grito de guerra, o Fênix Negro foi desferindo golpes contra Ikki. Ataques à velocidade da luz, que rivalizavam com o Meteoro de Pégaso.

Ikki desviou-se por um triz.

— Esse sujeito… Sem que eu soubesse, ele aprimorou sua técnica dessa forma?! Se subestimá-lo, serei morto.

— Morra, Ikki!

Ikki é atingido por um golpe do Fênix Negro.

— Uooh!

   Lançado a distância, Ikki colide com o chamado “freixo centenário”, acabando por derrubar a frondosa árvore com o choque. Algo caiu do pescoço de Ikki e cintilava no chão, mas ninguém percebeu.

   Recebendo danos severos, Ikki se levantou. Completamente extasiado com o golpe inicial, o Fênix Negro sentia-se como se tivesse vencido só com isso.

— E então, Ikki?! Eu não sou o Ritahoa de antigamente. Sou o Fênix Negro, o combatente que foi reconhecido por Sua Santidade, o Mestre Arles!
— De fato, vou admitir que você ficou mais forte. Mas ainda faltam uns 100 anos para se tornar meu rival.

— Como é?! São as suas últimas palavras. Tome isto! — Ritahoa foi desfechando reiterados golpes à velocidade da luz.

— A mesma técnica funcionará duas vezes?…

Vendo através dos golpes do Fênix Negro, Ikki se esquiva habilmente e dispara o contra-ataque.

— Uwahhh!

   Ritahoa foi varrido de forma desajeitada para as raízes da árvore na qual Ikki havia sido atirado pouco tempo antes. Entretanto, levantou-se imediatamente e se colocou em guarda. Nessa hora, Ikki percebeu uma coisa brilhando aos pés do oponente.

— Ah!

   Ao ver Ritahoa se levantar e espezinhar o objeto brilhante, a fisionomia de Ikki se alterou.

— Mise… com esses pés imundos… É melhor contemplar uma ilusão. Golpe-fantasma de Fênix!!

   O golpe da ilusão foi deflagrado como se rosqueasse o espaço entre as sobrancelhas do Fênix Negro até sua mente.

— Uwahhh!

   Ritahoa afogava-se no mar da ilusão. Tendo magnificada sua imagem sendo massacrado quase até a morte pelos sequazes de Ikki, o governante da ilha Rainha da Morte, contra quem se rebelara, ele acabou dilacerando seus próprios nervos. A luta acabou num piscar de olhos.

Ikki estendeu a mão ao objeto cintilante.

— Irmão!

   Ikki ofereceu o objeto que havia apanhado a Shun, que correra em sua direção. Era uma pequena cruz.

— Eu queria lhe entregar isto, mas acabei me esquecendo.

— Isso é…

— É a única lembrança da nossa mãe.

— Hã, da mamãe…

— É algo que a nossa mãe usou até falecer. Entregando-me isto pouco antes de dar o seu último suspiro, a nossa mãe me disse para cooperar com você e continuar sempre ao seu lado.

   Com a palma da mão, Shun sentiu a mãe, cujo rosto sequer conhecia, e, parecendo encantado de corpo e alma, a acariciou. As lágrimas de Shun derramaram e caíram sobre a cruz.

— Irmão, a partir de agora, vamos ficar juntos, não é?

— Shun, essa cruz é a nossa mãe e também sou eu. Sempre estaremos com você. Eu sempre estou lutando junto com você.

— Mas…

— Eu sempre virei socorrê-lo.

— Mas, Ikki…

— Shun, você quer me fazer falar novamente?

— Hã…

— Não gosto de andar em grupo.

   Virando as costas ao proferir essas parcas palavras, Ikki foi se dissolvendo no breu da noite.

 

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Aficionado sectário de Saint Seiya desde 1994, sou um misoneísta ranzinza. Impelido pela inexorável missão de traduzir todas as publicações oficiais da série clássica, continuo a lutar. Abomino redublagens.

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