“(…) como todos eram sujeitos bem-apessoados, também havia o medo de ter a atenção roubada e ser passado para trás se você desse mole.”
ENTREVISTA Nº 2 — O DUBLADOR DE IKKI DE FÊNIX
Gostaríamos que o senhor falasse da ocasião em que foi escolhido para o papel do Ikki.
Eu me submeti a uma espécie de audição. Quando me mostraram o mangá, depois que o papel do Ikki já havia sido definido, eu pensei “Ah, então é assim”. É por isso que o interpretei como um homem adulto, sem levar em conta a idade de 15 anos.
No início, dublei como se não desse a mínima para o Shun, virando-lhe as costas.
A série teve um longo período de difusão. Houve mudanças na forma de compor o personagem?
Sim, sem dúvida, ele mudou, não é? No começo, ele era um vilão. Foi bom quando era mau até à medula. No entanto, apesar de estreitar laços pouco a pouco com os outros 4, em algum ponto, ele fica cínico.
O sentimento é de que, embora se volte para os companheiros, ele banca o lobo solitário e se faz de durão. Mesmo em relação ao Shun, eu tinha em mente um posicionamento análogo à atitude paternal, com afeição em meio à austeridade.
No decorrer da série, o senhor ficou impressionado por um episódio ou algo do tipo?
Tanto a série de TV quanto os filmes foram feitos por intérpretes magistrais, não é? O elenco de artistas convidados era composto por profissionais que participavam ativamente da dublagem de filmes ocidentais e programas afins antes de nos tornarmos atores.
Marcou-me profundamente o fato de ter assimilado muitas coisas desses veteranos. Roubei muito trabalho deles naqueles tempos. Eu estudava ao observar elementos como a respiração e como a pausa. Embora eu pense que atuar usando a própria sensibilidade também seja crucial, de fato, o contato com esse aparato técnico dos colegas mais experientes é de suma importância. Também acho uma pena que esse tipo de aprendizado tenha se tornado raro hoje em dia.
Respiração e intervalo… estas ferramentas às quais me refiro aqui não residem na superfície da fala, mas no que é pensado no lado oposto das palavras, nas entrelinhas.
Se for uma pessoa tremendamente habilidosa, a sonoridade da fala ficará magnificamente contínua entre o final de uma palavra e o início da fala seguinte. É por isso que, ainda que haja um intervalo, a fala não será quebrada, e os outros dubladores não precisarão entrar em cena imediatamente, podendo esperar mais pacientemente.
Num colóquio do dia a dia, você é capaz de informar o interlocutor de que ainda tem algo a dizer pelo olhar e reações do tipo. Na dublagem, como todo mundo está com os olhos pregados na tela, é difícil. Mas isso não é nenhum segredo.
É claro, a gente vai saber se vir o script, mas, se a fala não estiver encerrada com um ponto-final, fisiologicamente, o ser humano fica com vontade de continuar a falar, não é? Os atores bons em criar uma atmosfera delicada nessa zona fronteiriça são espetaculares.
Por exemplo, suponhamos que exista um ator chamado A. Mesmo que você tente dizer por si mesmo a fala de A ao voltar para sua casa, não conseguirá. Não admira que as pessoas que sobrevivam na indústria sejam experts dotados de técnicas fabulosas.
Já que a capacidade de interpretar um drama básico é o mais primacial dos requisitos, se conseguir fazer esse drama, o ator será aprovado. Entretanto, não importam os critérios, se o intérprete não dominar essa forma narrativa, não receberá a aquiescência [do diretor].
Portanto, é imprescindível colocar a cabeça para funcionar e pensar a cada vez. Se a pessoa não estiver falando em contraste com o andamento do drama, ora o senso de distância se dispersa, ora a respiração se dispersa.
Com quem? Em que direção e como falar? Qual é a conexão com a cena precedente? Você pode fazê-lo perfeitamente se houver os desenhos, mas, nos casos em que não existem ilustrações, peço que me mostrem o storyboard e recebo uma explicação.
Dessa forma, se você não atuar com a imagem mental do desenho, valendo-se do conceito das radionovelas, não dará certo de jeito nenhum. Além disso, como a tela da TV é plana, estamos fortemente cientes da profundidade e do senso de distância.
Ouvimos que os atores saíam bastante para beber depois das gravações, mas…
Saíamos. No bar, os diretores dos episódios diriam se o trabalho não tivesse ficado bom, sua verdadeira opinião. Querendo perguntar isso, também os arrastava para a gandaia.
No que diz respeito a “Seiya”, saíamos todos frequentemente para beber, mas penso que, nesse tipo de lugar, além de eu mesmo aprender uma miríade de coisas novas, pude construir um trabalho de equipe com os outros dubladores e com o estafe.
Haja vista a longa duração do seriado, todos nós estávamos carecas de saber o que se passava na cabeça do outro colega. O outro lado dessa algazarra de fazer hora com respostas engraçadinhas e embarcar na brincadeira é que, como todo mundo era boa-pinta, também havia a apreensão de ser ofuscado e acabar passado para trás se você baixasse a guarda o mínimo que fosse.
Para terminar, gostaríamos de uma mensagem aos fãs que compraram os DVDs.
O fato é que só havia atores formidáveis. Mesmo que só ouça o som, mesmo nas cenas em que ninguém fala nada, acho que a gente pode sentir a respiração dos personagens, não é?
Creio que, se vocês assistirem à série novamente de olho nessas partes, conseguirão descobrir um entretenimento distinto. Mesmo hoje, esta produção não está nada ultrapassada. Não, penso que é exatamente por ser hoje que se trata de uma obra atual.