“(…) haja vista o meu antigo fascínio pela Grécia e por Roma, foi fácil penetrar no universo da obra, apesar do número considerável de experimentos no trabalho do design.”
— O que estimulou a senhora a entrar na indústria da animação?
O fato de ter visto um trabalho do mestre Araki na TV. Assistindo a Babel II, eu fiquei encantada pelos desenhos do primeiro e do segundo episódio; contudo, percebi que o padrão dos desenhos mudou no episódio 3. Foi a primeira vez que tive a consciência de que as obras chamadas de animes eram desenhadas por várias pessoas diferentes. Assim, ao inferir que, quando o nome do diretor de animação nos créditos é diferente, o desenho é diferente, passei a vê-los ciente do papel do diretor de animação.
Conferindo várias reprises de animes, me dei conta de que, em todas as vezes que fiquei maravilhada com Ashita no Joe e também com Kyojin no Hoshi, os desenhos eram do mestre Araki.
— A senhora ficou atraída por quais aspectos dos desenhos do senhor Araki?
Você sabe, os personagens são charmosos. E o movimento, o leiaute e a sensação de velocidade… Afinal, além do apelo, eles são lindos.
— Então, a senhora partiu rumo a Tóquio para se tornar uma animadora?
Pensava vagamente nessa possibilidade. Algo como “Seria bom se eu pudesse me tornar uma animadora, não?” Antes disso, tive o privilégio de visitar a Tōei Dōga (atual Tōei Animation) uma vez; então, me apresentaram o local de trabalho do mestre Araki.
— Depois de cerca de quanto tempo a senhora passou a fazer imagens-chave?
Foi no episódio 25 de UFO Robo Grendizer, o capítulo da Naida. No que diz respeito à Naida, comecei a partir do character design e, nessa toada, também me foi permitido desenhar as imagens-chave.
Mais que um prodígio, a mestra Himeno foi encarregada da concepção de imagens-chave em tempo recorde. Além de compor o character design da coadjuvante Naida, amiga de infância de Duke Fleed, ela também desenhou as imagens-chave do mítico episódio 25 de Ufo Robo Grendizer
Ademais, à medida que Grendizer se aproximava de seu desfecho, o volume de imagens-chave foi aumentando, e o padrão de fazer a maior parte delas em dupla com o mestre Araki tornou-se frequente.Se o volume aumenta, leva mais tempo, razão pela qual era fisicamente desgastante, mas, como adorava o ato de desenhar em si, eu me sentia plena. E isso não mudou até hoje.
O trabalho no character design
— Quando a senhora passou a fazer o design de personagens e coisas do tipo?
Eu tive permissão para desenhar vários personagens convidados, mas, no que tange a personagens principais, em UFO Robo Grendizer, foi a Maria e, em Wakusei Danguard Ace, foram a Lisa e a Miyoko.
— Havia muitas parafernálias robóticas. Então, as imagens-chave que a senhora desenhava não apenas eram de personagens mas de robôs também?
É claro. Ninguém se tornava animador a menos que pudesse desenhar qualquer coisa que fosse. Ainda que, nos dias de hoje, as funções estejam divididas entre design mecânico, design de personagens, pessoas que só desenham personagens humanos e o pessoal que só desenha mechas, como, em sua essência, são componentes que existem na mesma tela, é natural que o toque esteja uniformizado.
Portanto, era normal desenhar sem qualquer distinção entre personagens e acessórios, até porque, se ficássemos falando que éramos bons numa área mas ruins em outra, não conseguíamos trabalho. (Risos.)
Não lidamos apenas com o design de personagens; também estabelecemos as configurações do desenho de mechas e toda sorte de dispositivos. Em Wakusei Robo Danguard Ace, eu criava as configurações das máquinas convidadas, a exemplo do robô Satan e do foguete Prometeu. Em UFO Robo Grendizer, fiz coisas como a nave espacial de Rubina e a nave espacial de Kirika.
No caso de artefatos como os discos bestiais, os esboços provinham do autor, mas, como não havia esse tipo de rascunho para os pequenos acessórios, tive bastante liberdade de criação.
Um dos grandes sucessos da década de 70, Wakusei Robo Danguard Ace congregou uma plêiade de profissionais que viriam a participar de Saint Seiya, como Shingo Araki, Michi Himeno, Tomoharu Katsumata, Masayuki Akehi e Fumihiro Uchikawa
O trabalho no design de Saint Seiya
— Que surpresa saber que a senhora trabalhou no design dos mechas de que falamos hoje! Isto, sim, foi um segredo por muito tempo… Com isso, um dos mistérios da história dos animes foi elucidado.
É mesmo? (Risos.)
— Então, isso significa que a senhora também trabalhou no design das armaduras?
Isso mesmo. Na época das primeiras conversas, como a ordem era seguir a obra original, também estávamos fazendo as armaduras de acordo com o design do mangá. No entanto, com o avanço do projeto, os patrocinadores também foram definidos, e o design para converter em brinquedos veio da Bandai.
As armaduras, de tão angulares, até pareciam vestes Gundam (Nota: na época do planejamento de Saint Seiya, também se fazia presente o design do senhor Kunio Ōgawara, conhecido por Kidō Senshi Gundam, e configurações como o elmo em forma de cabeça do Pégaso são consideradas reminiscências desse estágio), razão pela qual nós as reconstruímos aqui com base nas imagens que recebemos da obra original.
Então, após uma interminável troca de ideias, enfim paramos naquele design das armaduras. O que tínhamos em mente era, sobretudo, algo mais curvilíneo do que o desenho recebido inicialmente e uma sensação de encaixe. Afinal, se aparentassem ser muito pesadas, seriam vistas como um estorvo na hora de colocar os cavaleiros em movimento.
Em seguida, como havia uma coletânea de ilustrações do senhor Hajime Sorayama na época, nós a utilizamos como referência para a consecução da sensação do metal e coisas do tipo. Geralmente, quando aplicamos o sombreamento, transformamos em sombra todas as imediações da área designada, mas, na hora de produzir a textura metálica, você poupa as partes com revestimento normal ao usar uma técnica que chamamos de “abrir janelas” no interior da própria sombra. Além disso, na hora do close, graças à luz circundante, mesmo que haja sombras, há um revestimento normal e alta concentração de luminosidade nas margens.
Não é nenhum segredo para as pessoas que já se empenharam no desenho de uma escultura, mas, no que tange a objetos de superfície curva, as partes com revestimento comum sempre ficam visíveis, pois a luz sempre os circunda, mesmo que provenha de trás.
— Poderia dizer quais foram as impressões da senhora ao ver Saint Seiya pela primeira vez?
Pressenti que talvez se tornasse uma nova produção, diferente de tudo que já fora feito. Como sempre tive um grande fascínio pela Grécia antiga e por Roma, foi fácil penetrar no universo da obra, apesar do número considerável de experimentos no trabalho do design.
— As roupas casuais da turma de Seiya também não existem no mangá, certo?
Embora sejam todos órfãos, como foi dito que recebiam suporte da Fundação Graude, optamos por seus respectivos trajes comuns. Modéstia à parte, eu mesma considero apetrechos como os suspensórios do Shun adoráveis. (Risos.)
Os personagens originais
— Quando se fala do Seiya do anime, há cavaleiros originais e coisas do gênero, não é?
No início, até a definição de um cavaleiro era ambígua, e pensamos em várias coisas sem que o paladar também se firmasse. No Cavaleiro de Cristal, adotamos o estilo art nouveau; já no Docrates tentamos pôr um tecido qualquer. E por aí vai…
— E quanto aos guerreiros-deuses da Saga do Norte da Europa?
Nos trajes divinos, observamos os croquis enviados pela Bandai. Quanto aos personagens, nós os construímos em consonância com o memorando do senhor Takao Koyama, da composição da série. Na época da Saga da Escandinávia, o curso de direção dos 5 protagonistas já estava consolidado e, no caso dos guerreiros-deuses, como bastava captar os pontos principais, não houve razões para grande preocupação.
O Hagen mesmo… ele reutilizou o character design que concebemos para o Midgard no segundo filme, A Grande Batalha dos Deuses, mas que acabou sendo rejeitado. É que, depois de tanto trabalho para criá-lo, não conseguimos suportar a dor de vê-lo escondido… (Risos.)
Tenho a sensação de que, provavelmente, dividimos o resto em penteados: os de cabelo ondulado e os de cabelo liso. Levando em conta que a turma de Seiya também havia mudado para as novas armaduras, tivemos de quebrar a cabeça no contraste com os cavaleiros para evitar que eles tivessem suas silhuetas escondidas quando confrontavam esses combatentes.
—A partir da Saga de Asgard, não apenas as armaduras, mas as proporções do grupo de Seiya também ficaram mais elegantes, não? Eles foram desenhados assim por algum propósito?
É que estávamos construindo os personagens com um senso que adicionava cerca de dois anos em relação ao mangá. Bem, já que Seiya e os meninos também estavam em fase de crescimento, conclui-se que cresciam mais e mais, não? (Risos.)
Na verdade, trata-se do sentimento de que eles se transformaram com o decurso do tempo. Afinal, sempre seguimos a direção mais fácil de desenhar.
— Percebe-se que existe uma atenção especial para com os penteados e coisas do gênero, não é verdade?
O personagem não fica impressionante a menos que façamos com que tenha uma silhueta impactante. Afinal, a impressão deixada por eles é mesmo um fator crucial.
No entanto, como há um grande número de personagens com cabelos longos ou trajando armaduras na produção, leva tempo para desenhar. Nesse sentido, é o desgaste físico que é enorme.
— Existe algum tipo de truque para retratar cada personagem de forma diferente?
Não há nada concreto, mas, como artifício para externar as idiossincrasias, desenho com a personalidade e demais características dos personagens em mente. No caso do Seiya, como é um menino de sangue quente, sempre penso numa fisionomia vigorosamente radiante ao desenhá-lo.
Já o Shiryu, mesmo sendo passional, não expressa isso em seu semblante… O restante é a força das linhas. Especialmente para deixar aquele gostinho dos desenhos do mestre Araki.
— Foi realmente uma surpresa saber que a senhora desenhava em dupla com o senhor Araki quase todas as imagens-chave dos filmes do passado…
Basicamente, como o período de produção era curto, desenhando as imagens-chave sozinhos, nós dois eliminávamos o processo em que se introduz o diretor de animação. Provavelmente, foi por isso que conseguimos em tão pouco tempo.
— Então, foi assim. Em tese, é bem simples, mas, na prática, parece bem complicado, não?
Complicadíssimo. (Risos.)
— Passados bem mais de 10 anos, em Hades: A Saga do Santuário, vocês estão refazendo todas as fichas dos personagens… Por quê?
Porque o nosso desenho também mudou com a passagem do tempo. Afinal, nesse intervalo, participamos de Kindaichi Shōnen no Jikenbo, Yu-Gi-Oh e de outros trabalhos. É por isso que é necessário que redesenhemos mais uma vez com o nosso traço atual.
— No recente Prólogo do Céu, vocês encararam o desafio de novos penteados, a exemplo de um dread, não é verdade?
O fato é que aquele penteado também existe em velhas figuras gregas. Quanto ao outro, o do Odisseu, foi motivado por aquele elmo grego no qual fixavam uma crina de cavalo… como uma crista de galo.
Como já havia um general do mar com corte moicano, não raspamos as laterais do cabelo a fim de diferenciá-los.
O importante é mesmo a base
— Creio que emplacar tantos trabalhos de alta qualidade deve ser dificílimo… Há alguma receita secreta para isso?
Absolutamente, não seria estar com o básico na ponta da língua? Afinal, se você entra no ramo dos desenhos, não estar engajado em rascunhos e croquis equivale à incapacidade de efetuar operações de adição e subtração. É que não tem sentido se você não desenha satisfatoriamente captando o objeto com seus próprios olhos.
Isso não vale apenas para os personagens, mesmo os acessórios… Por meio de cópias de fotos, o desenho só se torna mais pobre. Se fosse para reproduzir fotografias, seria melhor deixar o trabalho para uma câmera, não?
Penso que a expressão individual deve estar embutida na imagem feita à mão. Como disse Leonardo da Vinci: “O artista incompetente aprende com o desenho; o artista virtuoso aprende naturalmente”.
Portanto, projetamos na cabeça o objeto que queremos desenhar e o reconstruímos no papel. É claro que a vida inteira é um estudo para que você possa se expressar por meio das linhas que visualizou. Se olharmos ao nosso redor, as pessoas que estudam ficam boas rapidamente, e as que ficam perdendo tempo por aí vão sendo, pouco a pouco, ultrapassadas pelo pessoal que vem de trás. Afinal, o treinamento não acaba só porque você se tornou um profissional.
Nesse sentido, penso que hábitos como estar sempre de olho nas coisas e não negligenciar o desenho são de suma importância.
— A senhora desenha com estilos como o mangá shōjo em mente?
Não penso em nada em particular. Desde pequena, costumava ler ambos, mangás do gênero shōjo e do gênero shōnen. Eu também lia A Rosa de Versalhes na época do primário e nunca imaginei nem em sonho que me envolveria com a série depois de adulta. (Risos.)
Character designer e diretora de animação de A Rosa de Versalhes, a mestra Himeno se encarregou de todas as imagens-chave da abertura da série, uma obra-prima da animação japonesa
Considerando que as ilustrações coloridas dos mangás shōjo e shōnen da minha época de leitora tinham um acabamento minucioso, realmente sublime, na hora de desenhar uma ilustração em cores, talvez haja partes de mim que permaneçam cônscias disso.
A despedida de Oscar e Fersen foi nitidamente supervisionada pela mestra Himeno
Afinal, as mestras Yoshiko Nishitani e Hideko Mizuno realmente desenhavam as ilustrações em cores com muito esmero. Até hoje, guardo recortes e páginas daqueles tempos com muito carinho. Pessoalmente, não me conformo por não terem saído coletâneas de ilustrações dessas duas mestras.
Maria Antonieta e Hans Axel von Fersen. O traço sublime da mestra Himeno tem enfeitiçado gerações de fãs
— A senhora poderia dizer quais são suas aspirações ou objetivos daqui para frente?
Não tem jeito. Eu fiquei meio perplexa, pois não imaginava que voltaria a me enredar em Saint Seiya e, mesmo sendo incrivelmente tragada pelo universo da obra, como se trata de uma história sem qualquer paralelo, é um trabalho fisicamente extenuante.
Agora, pretendo devotar todas as minhas forças a este Prólogo do Céu, sem pensar em nada à frente.
— Muito obrigado por nos receber hoje, num momento de tamanha ocupação.