Chegando às lojas no dia 21 de dezembro de 2003, o quinto e último volume da coleção de DVDs lançada pela Bandai Visual compilou 18 episódios (do episódio 97 ao 114) do seriado televisivo. Além dos capítulos remasterizados, o volume vinha acompanhado de uma publicação especial de 24 páginas. Contendo uma enciclopédia ilustrada dos personagens, o livreto trazia inestimáveis informações dos bastidores da série, esboços conceituais, detalhes dos marinas, o mapa do mundo submarino e um catálogo de miniaturas da linha Saint Cloth.
A publicação também brindou os fãs com o registro de aparição dos personagens, a última parte da discografia da série, a filmografia dos episódios ínsitos na caixa e duas entrevistas imperdíveis — os bate-papos com o saudoso mestre Shingo Araki e com o ator Hideyuki Hori, antigo dublador do Cavaleiro de Fênix.
Detalhes da Produção
Introdução ao Phoenix Box
Aqueles que haveriam de se tornar os capítulos finais da obra constituem a Saga de Posseidon, compilada neste volume. Sucedendo a Asgard, que chegou a 24 episódios, o arco do Imperador do Oceano era uma fase concomitante ao mangá; porém, como o fim da difusão já havia sido decretado, a produção ficou limitada à cota de meros 15 episódios.
A Saga de Posseidon se inicia no epílogo da Epopeia do Anel Dourado, no episódio 99. No encalço de Saori, que foi tragada pelo mar, e sem qualquer tempo para se recuperarem dos ferimentos sofridos nos embates com os guerreiros-deuses, Seiya e Shun abrem as cortinas da batalha rumando para o Santuário Submarino; e o desenvolvimento de toda a saga ocorre numa velocidade sem precedentes.
A execução acelerada também foi um produto da decisão de encerrar a transmissão no episódio 114, decisão essa que contrariava as expectativas iniciais. No entanto, o fato de a produção ter culminado num trabalho que não permite que sintamos esse afã se deve à sublimidade da composição da série, que merece uma menção especial.
Esse esplendor da roteirização foi demonstrado no episódio final, parte em que não podemos deixar de louvar a perícia do senhor Yoshiyuki Suga, que empreendeu uma estupenda harmonização das narrativas, ainda que se trate de um texto posterior à completude do esqueleto do mangá.
Apesar de a cena final destoar bastante dos quadrinhos, por intermédio da inserção da passagem da sereia — que aparenta ser a verdadeira forma de Tétis — saltando entre as ondas, o seriado foi finalizado como um conto ainda mais feérico.
Tétis se transfigura em sereia
A priori, por não haver um estoque de quadrinhos no período inicial da difusão, Saint Seiya foi um programa levado a cabo quando ainda não era possível vislumbrar a diretriz a ser seguida; no entanto, na época da Saga de Posseidon, além de o processo de animação, assim como o plano de direção de episódios, já estar consolidado, tratava-se de uma produção cujo curso já havia sido confirmado, razão pela qual a história foi projetada num passo extremamente próximo da obra-mãe.
Se a Saga de Asgard viu a plenitude de Saint Seiya como anime, poder-se-ia chamar a Saga de Posseidon, na qualidade de animação do mangá produzida com esse know-how, de versão perfeita.
Contando com uma profusão de capítulos com a animação dirigida pelo senhor Shingo Araki e também com os flancos guarnecidos por episódios com direção de animação a cargo de Eisaku Inoue e Tomoko Kobayashi, altamente populares entre os fãs, a qualidade da Saga de Posseidon figura entre as mais altas de toda a série.
Com um acabamento comparável ao das produções para o cinema, os capítulos finais, em especial, não parecem nem um pouco datados, mesmo quando vistos à luz dos tempos atuais.
Devido à exígua quantidade de episódios e por se tratar do desfecho do seriado, a reputação da fase do Imperador do Oceano não se sedimentou, mas, assistindo a todos os capítulos desta caixa do início ao fim, o espectador há de obter uma identificação diversa da auferida à época em que acompanhava a difusão em tempo real.
Por fim, como um episódio desconhecido da Saga de Posseidon, gostaríamos de fazer uma referência a um incidente relacionado ao terceiro volume da Jump Gold Selection. Originalmente, mesmo no que tange ao cronograma de produção do anime, as ilustrações do encerramento do seriado jamais ficariam prontas a tempo para a publicação do último volume da coletânea (de fato, os trechos dos capítulos finais não foram veiculados nas páginas coloridas); contudo, dizem que, graças à extrema solicitude da Tōei Dōga (atual Tōei Animation), aos 45 minutos do segundo tempo, na hora de enviar o material para a impressão, as tomadas dos capítulos derradeiros, incluindo a sequência da última cena, foram entregues, sendo registradas às pressas na seção reservada às páginas monocromáticas.
Foi o sentimento de que as ilustrações finais deveriam ser publicadas no livro que adornava o desfecho da produção que realizou essa brilhante façanha, um feito que também pode ser considerado um milagre.
Como também podemos depreender desse evento, não é nenhum exagero creditar o sucesso da série ao fato de todos os envolvidos na produção terem cooperado como os cavaleiros da trama, a começar pelo contingente alocado diretamente na confecção filmográfica, a exemplo dos escritores, da força-tarefa de diretores de episódios, do plantel da animação e dos dubladores, assim como a emissora de TV, os patrocinadores, a editora e demais membros.
Indubitavelmente, havia “algo” ali que ia além de um mero negócio. Os sentimentos das pessoas ligadas ao trabalho foram incutidos na imagem e nos produtos, transformando o que deveria ser um programa infantil de segunda categoria numa lenda que ecoa na eternidade.
É desnecessário dizer que, extrapolando o microcosmo dos envolvidos na animação, esses sentimentos ficaram gravados nas almas dos espectadores que os receberam e hoje, no introito do século 21, tornaram-se a força motriz da produção da fase de Hades, que jamais havia sido animada, e da Saga do Céu, tachada até mesmo de devaneio.
O mito dos cavaleiros ainda não chegou ao fim, e todos sabem por quê. Quando este mundo estiver ameaçado pelo mal, os guerreiros da esperança se levantarão.
Shingo Araki
ENTREVISTA Nº 1 — CHARACTER DESIGN
“(…) ainda que a obra também seja esplêndida, nós animadores somos gratos por ter podido fazê-la enquanto nos divertíamos.”
Para começar, o senhor poderia nos contar como se deu seu envolvimento em Saint Seiya?
Como foi logo na época em que a serialização do mangá havia começado na Shōnen Jump semanal, eu não tinha nem ideia do que era Saint Seiya. Num belo dia, recebi um telefonema do senhor Yoshioka, diretor da Tōei Animation, que me perguntou: “Não quer experimentar este tipo de personagem?” Foi assim que a oportunidade apareceu.
À primeira vista, ao conseguir fazer os desenhos lançando mão da experiência amealhada nos trabalhos do passado, eu aceitei despreocupadamente. Primeiro, desenhei uma amostra para a avaliação do mestre Kurumada. Quando o produtor Hatano, que me fez a gentileza de levar os desenhos ao mestre Kurumada, disse que consegui causar uma boa impressão no autor, fui capaz de obter a autoconfiança de que estava no caminho certo.
O design das armaduras sofreu alterações na versão animada. Diga-nos como isso ocorreu.
A princípio, como nos baseamos no mangá nos modelos que desenhamos, as armaduras também traziam o design dos quadrinhos. No entanto, à medida que o projeto avançava, vieram com a história da conversão em brinquedos, e fizemos incontáveis ajustes em relação às miniaturas com o pessoal da Bandai. Por esse motivo, levamos muitas e muitas horas para chegar àquele design.
A partir daí, prosseguimos em consonância com o mangá ou de acordo com os protótipos concebidos pela Bandai e coisas do tipo, mas, é claro, passamos por um calvário no início.
Atributos como um leiaute poderoso pareciam sobressair em Saint Seiya…
Eu tencionava conseguir a forma de compor aqueles leiautes. Eu queria desenhar coisas com um leiaute realmente apologético. E, justamente nessa época, uma obra chamada “Seiya” se interpôs no meu caminho para me dar essa oportunidade.
Como o daquela corrida em alta velocidade…
Na verdade, adotando a postura inclinada para frente, parece rápido. Ainda que, na prática, aquele sprint seja totalmente impossível… Na hora de correr, os braços provavelmente se moverão também, mas, como este deslocamento consumiria imagens-chave, nós nos valemos de expedientes como deixar de movimentar os membros superiores… (Risos.)
Trata-se de uma sensação de velocidade oriunda da economia de energia. O fato é que a restrição do número de desenhos também se torna um auxílio para o animador. Quando nos dizem: “Neste trabalho, vocês não podem usar mais que 3.000 imagens-chave”, nós ficamos aliviados.
Fazendo das tripas coração para diminuir os quadros desse limite, se a quantidade ficasse em 2.000 folhas, nós éramos elogiados naqueles tempos, sabe? A graça está justamente em como fazer para mostrar [os movimentos] reduzindo a quantidade, entende?
Se o senhor tivesse de apontar um personagem predileto, quem seria?
Como devem imaginar, é realmente o Seiya. Os protagonistas das obras que fiz no passado estão todos ínsitos no Seiya. Kyojin no Hoshi, Ashita no Joe… todos os elementos dos personagens principais dos trabalhos dos quais eu havia participado até então estavam incutidos no Pégaso.
O mesmo ocorre com os outros quatro, mas, no Seiya, essas características aparecem de forma mais conspícua. E também há o fato de eu ter feito um montão de desenhos dele… (Risos.)
Também surgiram os personagens originais do anime. Qual foi o mais marcante para o senhor?
O Cavaleiro de Cristal. Além do fator de ter sido o primeiro cavaleiro original, até então, não tinha aparecido um personagem desse estípite em “Seiya”. É que, quando você cria esse tipo de personagem e o deixa de molho por um episódio, eventualmente passa a querer colocá-lo para fora novamente.
Era um personagem difícil de desenhar, mas… (Sorriso amargurado.) depois disso, creio que ele se tornou o paradigma para os personagens autóctones que foram aparecendo em seguida.
Existem episódios que ficaram gravados na mente do senhor?
Como não poderia ser diferente, o primeiro episódio. É bom quando aquele sentimento de que algo está para começar vem à tona, não é? E também o episódio em que o domador de corvos Jamian aparece (episódio 30). Naquele capítulo, havia uma cena em que o Seiya saltava com todas as suas forças. No início, mesmo olhando o storyboard, eu não compreendi o que ele estava fazendo. Mas, vendo a cena finalizada, eu consegui entender: “Ah, então era isto…”
Eu inferi que o diretor de nome Yamauchi era alguém que fazia o storyboard pensando em cada detalhe, até nessas nuances. Já que ele está sempre ciente de tudo, mesmo empilhando um close após o outro, também deve estar bem consciente do mundo exterior, não?
Para terminar, gostaríamos de uma mensagem aos fãs.
Mesmo que a obra Saint Seiya também seja esplêndida, nós que estamos engajados nos desenhos somos gratos por ter conseguido fazê-la enquanto nos divertíamos.
Uma vez que o objetivo primordial do artista é, sem dúvida, a diversão do espectador, além de ficar extremamente contente com um reconhecimento desta magnitude, ele ainda se converte em forças para o próximo trabalho.
Muito obrigado.
2003 — entrevista concedida num lugar não especificado da área metropolitana
Hideyuki Hori
ENTREVISTA Nº 2 — O DUBLADOR DE IKKI DE FÊNIX
“(…) como todos eram sujeitos bem-apessoados, também havia o medo de ter a atenção roubada e ser passado para trás se você desse mole.”
Gostaríamos que o senhor falasse da ocasião em que foi escolhido para o papel do Ikki.
Eu me submeti a uma espécie de audição. Quando me mostraram o mangá, depois que o papel do Ikki já havia sido definido, eu pensei “Ah, então é assim”. É por isso que o interpretei como um homem adulto, sem levar em conta a idade de 15 anos.
No início, dublei como se não desse a mínima para o Shun, virando-lhe as costas.
A série teve um longo período de difusão. Houve mudanças na forma de compor o personagem?
Sim, sem dúvida, ele mudou, não é? No começo, ele era um vilão. Foi bom quando era mau até à medula. No entanto, apesar de estreitar laços pouco a pouco com os outros 4, em algum ponto, ele fica cínico.
O sentimento é de que, embora se volte para os companheiros, ele banca o lobo solitário e se faz de durão. Mesmo em relação ao Shun, eu tinha em mente um posicionamento análogo à atitude paternal, com afeição em meio à austeridade.
No decorrer da série, o senhor ficou impressionado por um episódio ou algo do tipo?
Tanto a série de TV quanto os filmes foram feitos por intérpretes magistrais, não é? O elenco de artistas convidados era composto por profissionais que participavam ativamente da dublagem de filmes ocidentais e programas afins antes de nos tornarmos atores.
Marcou-me profundamente o fato de ter assimilado muitas coisas desses veteranos. Roubei muito trabalho deles naqueles tempos. Eu estudava ao observar elementos como a respiração e como a pausa. Embora eu pense que atuar usando a própria sensibilidade também seja crucial, de fato, o contato com esse aparato técnico dos colegas mais experientes é de suma importância. Também acho uma pena que esse tipo de aprendizado tenha se tornado raro hoje em dia.
Respiração e intervalo… estas ferramentas às quais me refiro aqui não residem na superfície da fala, mas no que é pensado no lado oposto das palavras, nas entrelinhas.
Se for uma pessoa tremendamente habilidosa, a sonoridade da fala ficará magnificamente contínua entre o final de uma palavra e o início da fala seguinte. É por isso que, ainda que haja um intervalo, a fala não será quebrada, e os outros dubladores não precisarão entrar em cena imediatamente, podendo esperar mais pacientemente.
Num colóquio do dia a dia, você é capaz de informar o interlocutor de que ainda tem algo a dizer pelo olhar e reações do tipo. Na dublagem, como todo mundo está com os olhos pregados na tela, é difícil. Mas isso não é nenhum segredo.
É claro, a gente vai saber se vir o script, mas, se a fala não estiver encerrada com um ponto-final, fisiologicamente, o ser humano fica com vontade de continuar a falar, não é? Os atores bons em criar uma atmosfera delicada nessa zona fronteiriça são espetaculares.
Por exemplo, suponhamos que exista um ator chamado A. Mesmo que você tente dizer por si mesmo a fala de A ao voltar para sua casa, não conseguirá. Não admira que as pessoas que sobrevivam na indústria sejam experts dotados de técnicas fabulosas.
Já que a capacidade de interpretar um drama básico é o mais primacial dos requisitos, se conseguir fazer esse drama, o ator será aprovado. Entretanto, não importam os critérios, se o intérprete não dominar essa forma narrativa, não receberá a aquiescência [do diretor].
Portanto, é imprescindível colocar a cabeça para funcionar e pensar a cada vez. Se a pessoa não estiver falando em contraste com o andamento do drama, ora o senso de distância se dispersa, ora a respiração se dispersa.
Com quem? Em que direção e como falar? Qual é a conexão com a cena precedente? Você pode fazê-lo perfeitamente se houver os desenhos, mas, nos casos em que não existem ilustrações, peço que me mostrem o storyboard e recebo uma explicação.
Dessa forma, se você não atuar com a imagem mental do desenho, valendo-se do conceito das radionovelas, não dará certo de jeito nenhum. Além disso, como a tela da TV é plana, estamos fortemente cientes da profundidade e do senso de distância.
Ouvimos que os atores saíam bastante para beber depois das gravações, mas…
Saíamos. No bar, os diretores dos episódios diriam se o trabalho não tivesse ficado bom, sua verdadeira opinião. Querendo perguntar isso, também os arrastava para a gandaia.
No que diz respeito a “Seiya”, saíamos todos frequentemente para beber, mas penso que, nesse tipo de lugar, além de eu mesmo aprender uma miríade de coisas novas, pude construir um trabalho de equipe com os outros dubladores e com o estafe.
Haja vista a longa duração do seriado, todos nós estávamos carecas de saber o que se passava na cabeça do outro colega. O outro lado dessa algazarra de fazer hora com respostas engraçadinhas e embarcar na brincadeira é que, como todo mundo era boa-pinta, também havia a apreensão de ser ofuscado e acabar passado para trás se você baixasse a guarda o mínimo que fosse.
Para terminar, gostaríamos de uma mensagem aos fãs que compraram os DVDs.
O fato é que só havia atores formidáveis. Mesmo que só ouça o som, mesmo nas cenas em que ninguém fala nada, acho que a gente pode sentir a respiração dos personagens, não é?
Creio que, se vocês assistirem à série novamente de olho nessas partes, conseguirão descobrir um entretenimento distinto. Mesmo hoje, esta produção não está nada ultrapassada. Não, penso que é exatamente por ser hoje que se trata de uma obra atual.
2003 — entrevista concedida na sede da agência Aoni Production