Chegando às lojas no dia 28 de março de 2003, o segundo volume da coleção de DVDs lançada pela Bandai Visual compilou 24 episódios (do episódio 25 ao 48) do seriado televisivo. Além dos capítulos remasterizados, o volume vinha acompanhado de uma publicação especial de 24 páginas. Contendo uma enciclopédia ilustrada dos personagens, o livreto trazia inestimáveis informações dos bastidores da série, croquis de criação dos cavaleiros de aço e um catálogo de miniaturas da linha Saint Cloth.
A publicação também presenteou os entusiastas do anime com o registro de aparição dos personagens, a apresentação de alguns dos LPs e CDs da série, a filmografia dos episódios ínsitos na caixa e duas entrevistas imperdíveis — os bate-papos com o premiado roteirista Takao Koyama e com o saudoso ator Hirotaka Suzuoki, eternizado pela antológica dublagem do Cavaleiro de Dragão.
Detalhes da Produção
Introdução ao Dragon Box
Os documentos do planejamento datados da época da difusão descrevem Saint Seiya como uma série que teria nos meninos do ensino fundamental seu público-alvo. A conversão do mangá em animação ensejou algumas alterações voltadas a uma faixa etária inferior. A maior mudança no período inicial consiste na inversão da identidade do assassino enviado pelo Santuário à Guerra Galáctica. Nos quadrinhos, Hyoga era o executor a serviço do Santuário, ao passo que, no anime, Ikki foi encarregado desse papel.
Por esse motivo, uma imagem que exibia o embate de Seiya e Ikki foi empregada nos créditos de oferecimento dos patrocinadores, uma vinheta veiculada ao término da exibição do programa. Trata-se de uma digressão, mas, nessa ilustração, as armaduras de Pégaso e de Fênix estavam equipadas com asas. Em todo o anime, este haveria de se tornar o único croqui com as indumentárias aladas.
Essa modificação foi ocasionada pelo fato de a Saga dos Cavaleiros Negros estar em publicação quando o projeto do programa teve início, tempos em que as configurações do refúgio grego ainda eram uma incógnita. Consequentemente, foi estabelecido que os inimigos da primeira temporada seriam os cavaleiros negros sob o comando de Ikki.
Exibida antes da estreia da animação, a propaganda mostrava Seiya e Ikki combatendo com armaduras aladas. Utilizada para promover o lançamento das miniaturas da Bandai, essa sequência também seria veiculada no avant-title do primeiro capítulo e no oferecimento dos patrocinadores ao término dos primeiros episódios
Na segunda temporada, período em que Ikki se torna um aliado, gestores como o Chefe do Estado-Maior Gigas e o oficial Faeton foram introduzidos para dar ênfase ao caráter espúrio do Santuário, levando à aparição de um sem-número de cavaleiros originais do anime. Com essas providências, ao deixar claro o antagonismo maniqueísta entre o Santuário, que conspirava para subjugar o mundo, e a Fundação Graude, que lutava para impedi-lo, o globo todo se tornou palco de conflitos, fator que propiciou uma grande variedade de cenas de batalha.
A terceira temporada, que sedimentava a popularidade da série, correspondia ao introito da Saga dos Cavaleiros de Prata nos quadrinhos, mas também se sujeitou a mudanças ostensivas. No mangá, os cavaleiros de prata, os sicários do Santuário, integravam uma choldra de 13 guerreiros; no entanto, como a aparição desses combatentes se condensava em 3 eventos, foi necessário recorrer a medidas como fazê-los aparecer em episódios distintos ou reintroduzir cavaleiros autóctones como inimigos.
Nessa época, a Saga das 12 Casas havia ganhado fama no mangá e, como a animação vislumbrava a conflagração do Santuário, a temporada também se destinou à inclusão proativa de episódios centrados nos cinco cavaleiros de bronze. Para o bem ou para o mal, a inserção dos cavaleiros de aço se traduz num acontecimento digno de menção especial na terceira temporada (na verdade, eles são introduzidos no episódio 25, capítulo final da segunda temporada).
Antes de falar dos cavaleiros de aço, gostaríamos de abordar o desenvolvimento dos brinquedos de Saint Seiya. Embora a necessidade de levar esta série ao ar num tempo extraordinariamente curto tenha sido mencionada na Introdução ao Pegasus Box, torna-se curial salientar que os fabricantes de brinquedos foram impelidos pela mesma urgência. Apesar de a estreia ter ocorrido em outubro, o patrocínio da Bandai só foi formalmente sacramentado após o início do mês de setembro.
Ainda que o projeto estivesse em andamento antes da celebração do contrato, não é difícil imaginar que o desenvolvimento-relâmpago dos brinquedos também tenha sido uma exceção aos padrões da indústria. Por essa razão, a concepção de produtos se restringiu a um total de 6 itens, que consistiam na linha Saint Cloth, os bonecos com armaduras destacáveis dos 5 protagonistas, e no dispositivo sonoro Meteoro de Pégaso, uma peça de fantasia.
Na reunião de negócios que antecedeu o começo da difusão, um encontro organizado no outono, a distribuição não era vista com bons olhos devido ao caráter inaugural dos personagens; no entanto, com os bonecos da linha Saint Cloth sumindo das prateleiras assim que chegaram às lojas, no final de 86, foi decretado de imediato um aumento na produção (para suprir a demanda, foram empreendidas mudanças no processo de fabricação a partir de abril de 87, como a abolição da caixa com janela transparente, formato que foi se estabelecendo como o padrão definitivo).
Além disso, desafiando a máxima de que [brinquedos de] vilões não vendem bem, foi lançada uma edição limitada dos cavaleiros negros. Contudo, como a coleção também se dissipou num piscar de olhos, a Bandai passou a se ver pressionada a lançar novos artigos da linha Saint Cloth.
Inicialmente, foi cogitada a ideia de comercializar as miniaturas dos cavaleiros de bronze secundários e dos cavaleiros de prata, mas, pelas razões já relatadas, esse plano foi relegado pela empresa, que decidiu responder à demanda do mercado com o lançamento das caras “armaduras de metal pesado”, também chamadas de Saint Cloth DX.
Entretanto, o clamor dos consumidores residia em miniaturas com o formato já consagrado pela linha Saint Cloth, o que acarretou a decisão de introduzir 3 novos personagens na série para convertê-los em brinquedos. Esses personagens eram os cavaleiros de aço, que tiveram seus trajes concebidos com um design mecanizado para atrair o público de faixa etária inferior.
A perplexidade em relação à utilização dos cavaleiros de aço, um acréscimo paradoxal à gradativa sincronia da versão animada com os quadrinhos, que se imiscuíam mais e mais nos elementos da mitologia grega, pode ser inferida até mesmo na imagem final do trio high-tech.
Embora os cavaleiros de aço ainda dividam a opinião do público de classe etária superior, no que tange à venda de brinquedos, trata-se de uma inserção irreprochável, haja vista o grande sucesso desses combatentes entre as criancinhas, êxito que contribuiu para a expansão do espectro de aficionados da obra.
Em virtude de tamanha repercussão, malgrado sua participação se limite a 12 capítulos, o trio de vestes mecânicas teve sua imagem perpetuada na primeira parte do eyecatch exibido entre os episódios 26 e 73 e na ilustração de oferecimento dos patrocinadores.
A importância dos cavaleiros de aço pode ser aferida pela veiculação da imagem do trio na tela de oferecimento dos patrocinadores
A partir do episódio 39, o epílogo da terceira temporada, a série irrompe na Batalha das 12 Casas, saga que conta com a aparição dos cavaleiros de ouro, o estopim do explosivo aumento de popularidade da animação.
Takao Koyama
ENTREVISTA Nº 1 — COMPOSIÇÃO DA SÉRIE
“Em 30 anos, participei de 80 produções, mas este foi o trabalho para o qual eu mais escrevi.”
— Para começar, gostaríamos que o senhor nos contasse toda a história de como ingressou na produção.
Uma ligação do produtor Kazuo Yokoyama foi o pontapé inicial. Na época, a minha imagem estava fortemente atrelada a Time Bokan, e já fazia cerca de 10 anos que eu só escrevia comédias. Então, ao ler os mangás que me foram sendo enviados e constatar que se tratava de um sério conteúdo de ação, eu recusei gentilmente, mas, nesse momento, o senhor Yokoyama proferiu uma frase matadora: “Quero ver como Takao Koyama vai ‘preparar’ este trabalho”. Depois de ouvir isso, não tinha como eu não aceitar. (Risos.)
Tendo lidado com produções como Shinzō Ningen Casshan na época da Tatsunoko, não é que eu não tivesse experiência com conteúdos de ação. Como as comédias continuavam, e já que eu tinha vontade de fazer séries de ação… Mas o fator decisivo foi, sobretudo, a fala melíflua do senhor Yokoyama. No fim das contas, foi algo extraordinariamente positivo.
Como eu estava escrevendo Saint Seiya durante a transposição de Dragon Ball, que tem na comédia a sua força motriz, para Dragon Ball Z, uma série fundamentada na ação, fui capaz de fazer uma transição suave. Nesse sentido, na minha cabeça, é graças a este trabalho que estou conectado a Dragon Ball Z.
— Creio que o início, quando não havia um estoque de mangás, foi bem problemático…
Para começo de conversa, quando falamos das condições de trabalho, naquela época, como eu estava a cargo da composição de 3 séries, incluindo Seiya, já cheguei a escrever 10 roteiros por mês. Assim, não foi nenhuma surpresa quando acabei caindo de cama ao repetir essa jornada insana. Esse também foi um dos fatores que me levaram a requisitar a entrada de outros escritores na produção. Contudo, levando em conta que eu já havia redigido 26 roteiros até o episódio 31, utilizei meu colapso como oportunidade para que colocassem o senhor Yoshiyuki Suga no seriado.
Considerando que também não era possível inflar a obra original, já que o mangá não estava muito desenvolvido no começo dos scripts, para trabalhar o charme da produção, eu tentei incorporar todos os elementos revelados até então. Mesmo assim, como é inevitável inserir elementos autóctones do anime ao engendrar uma história lateral, havia as agruras de ir elaborando essas partes, sabe?
Por outro lado, acho que foi fascinante. Já que o trabalho avançava praticamente ao mesmo tempo que o mangá, frequentemente, eu mesmo ficava surpreso com os desdobramentos da obra original. No entanto, por volta do episódio 20, eu já vinha conseguindo vislumbrar o panorama do título. Então, lembro que já estava escrevendo à vontade a partir do episódio 21 ou 22. Como havia progredido à base de vários testes, não pude deixar de cortar os personagens incompatíveis com a obra, entende? Como o Chefe do Estado-Maior Faeton… (Risos.)
Se for para ejetá-los de qualquer jeito, não há por que fazer histórias com eles. Eu os apago completamente. Definitivamente, é melhor ir aumentando as partes que as pessoas querem ver. A aparição dos cavaleiros de aço foi uma lambança, não é? Lembro que o cenário ficou confuso. Consequentemente, acabei por deletá-los também. (Risos.)
No período inicial, criei partes hilariantes de propósito. As crianças da Academia Filhos das Estrelas e segmentos afins… acho que são partes em que aflora o propósito pelo qual fui contratado.
— No anime, a relação do Seiya e da Miho foi enfatizada, não é?
Quando a Saori vira Atena, ela deixa de agir de forma passional. Então, precisei encarregar a Miho desse papel. Contudo, com a produção passando a girar em torno do Santuário, não tive como mostrá-los na segunda parte da série… (Risos.)
— Fazendo uma retrospectiva do trabalho, o senhor poderia nos dizer qual foi o personagem de quem mais gostou?
É uma questão difícil. Se tivesse de dar um exemplo, eu gostava do Shiryu. Eu gosto da relação do Shiryu com o Mestre-Ancião. Além disso, ainda tem a Shunrei, certo? Como os outros personagens tinham poucas nuances do tipo, era legal compor essas tramas.
— Para terminar, pedimos uma palavrinha aos fãs que adquiriram estes DVDs.
Em 30 anos, participei de 80 produções, mas esta foi a obra para a qual eu mais escrevi. Vendo por este prisma, trata-se de uma produção incrivelmente memorável. Afinal, não foi o desvelo do estafe, incluindo o meu, que conseguiu trazer à luz um filme daquela magnitude em cada episódio, mesmo nas partes em que pisamos na bola?…
A meu ver, é por isso que Saint Seiya é uma obra-prima dos tempos áureos do gênero da animação. Eu me sentiria afortunado se vocês fossem capazes de captar essas partes por meio destes DVDs.
— Muito obrigado.
2003 — entrevista concedida na sede da Companhia de Roteiristas Brother Noppo
Hirotaka Suzuoki
ENTREVISTA Nº 2 — O DUBLADOR DE SHIRYU DE DRAGÃO
“(…) o Shiryu tem uma virilidade franca.”
— O senhor poderia nos contar a história de como foi apontado para o papel do Shiryu?
A escolha não se deveu a nenhuma audição específica. Recordo-me de que o papel foi definido quando me disseram algo do tipo: “Tem um personagem assim em uma determinada série, e gostaríamos que você o fizesse”.
— Ao ler o mangá, o que o senhor achou da postura do personagem?
Como não poderia ser diferente, o que senti a princípio foi a amizade entre homens. Acima de tudo, os chamados laços entre homens. Parando para pensar agora, o Shiryu era uma figura que complementava a imagem incompleta de herói do Seiya.
Além disso, o Shiryu tem uma virilidade franca, não é? Quando algo acontecia, ele ainda proferia seu chavão: “Estou preparado para morrer”…
— Como era o estúdio de dublagem naquela época?
Todos os atores principais eram meus conhecidos de longa data. Então, vendo por este lado, a atmosfera do estúdio era incrivelmente leve. Devo dizer que eu recebia bastante ajuda até mesmo na hora de atuar. Para melhorar, os dubladores convidados também eram sublimes. Em vários sentidos, pude experimentar uma tensão fantástica.
— Houve partes que o marcaram enquanto o senhor dublava o Shiryu?
As cenas do Shiryu com o Mestre-Ancião me marcaram profundamente. Afinal, o velho mentor é o bem mais precioso do Cavaleiro de Dragão, não? O cenário no qual o Shiryu se criou transparece até mesmo nas conversinhas com o velho mestre, não é verdade? É por isso que a composição do Shiryu é inconcebível sem a figura do Mestre-Ancião.
— Na época da difusão, o senhor deve ter passado o maior perrengue com o grande interesse dos fãs…
Sim. Como a geração das fãs também mudou em relação à época de Kidō Senshi Gundam, o assédio em datas como o Dia dos Namorados era imenso. (Risos.)
— Quando se fala do Shiryu, penso que a relação dele com o Mu também é memorável…
De fato. O Kaneto Shiozawa, o intérprete do Mu, era meu companheiro de gandaia. Aquele Kaneto era uma peça rara… (Risos.)
Visto que, comparativamente, eu era curto e grosso, essa junção de performances se revelava interessante na hora da dublagem. Como posso dizer, nossos estilos de interpretação são totalmente distintos. Embora eu também seja niilista, o meu niilismo era diferente do dele. O niilismo dele era inquebrantável.
Bem, embora saíssemos para beber depois das gravações, jamais falávamos de dublagem e tal… Eu dizia: “Por essa eu não esperava. Só podia ser você, Kaneto”. Só que ele não tinha jeito e retrucava: “Típico do pequeno Suzuoki”.
É difícil colocar em palavras, mas havia ocasiões em que conseguíamos nos entender por meio dessas sutilezas… Eu realmente sinto que o Mu foi um personagem construído pelo Kaneto.
— Desde aquela época, ouvimos que os atores tinham um grande trabalho de equipe, mas o senhor tem lembranças extrínsecas ao ambiente de gravação?
Sim. Lembro-me bem de eventos como a viagem que fizemos a Shuzenji. Lá, nós nos dividimos em dois grupos, a turma do tênis e a turma do golfe. Embora não pratique mais hoje em dia, como eu estava fissurado em golfe naqueles tempos, joguei umas partidas com atores como o senhor Rokurō Naya, o intérprete do Camus. À noite, os times de golfe e de tênis se reuniam para tomar uma bebedeira.
Pensando bem, como este trabalho tinha um número ínfimo de atrizes, foi um pouquinho solitário… (Risos.)
— Para terminar, gostaríamos que o senhor mandasse uma mensagem aos fãs da série de TV.
Resumindo em poucas palavras, a venda destes DVDs e os novos OVAs são como uma confraternização de ex-alunos. Como os estudantes do ensino médio daquela época hoje viraram adultos atribulados com a criação dos próprios filhos, eu fico exultante ao pensar que essas pessoas estão dando um tempinho nos afazeres domésticos para assistir a estes discos.
Receio que, tanto para os meninos quanto para as meninas que sustentavam Seiya naquela época, os valores e o modo de ver a vida tenham mudado em função das experiências acumuladas nos 15 anos que se passaram até este lançamento. Essas pessoas vão experimentar uma inefável nostalgia ao ver estes DVDs. Nesse sentido, talvez seja uma forma presunçosa de falar, mas creio que estão recebendo um ótimo presente.
Para nós dubladores, também é maravilhoso poder partilhar memórias com os fãs desta forma.
— Muito obrigado.