1 ano antes da descida de Atena à Terra, Shura regressava ao Santuário após realizar um treinamento na Espanha. No entanto, a felicidade dura pouco. Uma crise se aproximava da pessoa do Grande Mestre, e uma terrível conspiração estava urdida nela. O segredo de Saga, um homem envolto em mistérios, agora será revelado!
O Reencontro
Retrocedemos 1 ano em relação ao advento de Atena. As chuvas são escassas no verão grego; de forma que, se chover por 3 dias durante um mês, já é muito. O Santuário, erigido no topo de uma montanha que contempla ao longe a cidade de Atenas, também estava totalmente árido, com o solo revolvido por todo lado.
Como sempre, a colina da Acrópole estava apinhada de turistas estrangeiros. Mas o Santuário, como se permanecesse assim desde tempos imemoriais, estava imerso numa atmosfera divina que rechaçava as pessoas em seu exterior. É claro que, de anos em anos, sempre havia alguém metido a repórter tentando se infiltrar no famigerado refúgio ateniense, mas todos os seus esforços eram em vão.
Dada a naturalidade desse tipo de atitude, a barreira erguida em volta do quartel-general para prevenir intrusos, que se tornariam obstáculos ao santo ofício do Papa e de seus acólitos, é um envoltório constantemente reforçado.
Apenas por ficarem de pé diante dessa couraça, os turistas que se aproximavam inadvertidamente eram incapacitados de dar um só passo à frente, sendo fortemente repelidos quando tentavam avançar à força; e os eventos em que se feriam eram menos que esporádicos.
Tal qual uma barreira, o grandioso cosmo do Mestre está tensionado em volta do Santuário na forma de um campo de força. Similar a uma sagrada resplandecência de 7 cores, essa barreira chegou a ser alcunhada pelo mundo exterior de “Arco-Íris de Deus” e, ao que parece, exortava o povo a reverenciar o refúgio como um solo absolutamente inviolável desde a era dos deuses.
Como o vento, a figura de um rapaz trespassava essa barreira inexpugnável sem nenhum problema. Os olhos desse jovem, cujos cabelos negros eriçados ondulavam ao sabor do vento, abrigavam uma luz tão afiada que chegava a ser insueta para a sua idade, contrastando com a sua juventude. Seu porte só poderia pertencer a um cavaleiro.
— Minha terra natal, o Santuário… não mudou absolutamente nada…
Erguida no centro do Santuário, a torre do relógio de fogo capturava seus olhos. No lado oposto, as moradas guardadas pelos doze cavaleiros dourados estendiam-se numa fila de mesmo número. Eram as célebres 12 casas, as casas zodiacais dos cavaleiros de ouro.
— A décima morada é Capricórnio.
A voz estava carregada de nostalgia.
O jovem pousou seus olhos na Sala do Mestre e no Templo de Atena, erigidos além das 12 casas.
— Eu me pergunto se Atena já terá descido à Terra…
Quando o rapaz, absorto na maior de suas preocupações, voltou a atenção a sua própria localização, estavam perfilados diante dele o centro de treinamentos e o Coliseu, onde suara sangue nos tempos de aspirante a cavaleiro. Os pés do jovem o guiaram espontaneamente à arena.
Quadro a quadro, ele revivia de forma cristalina as cenas de dois anos atrás, quando, neste lugar, se bateu violentamente com o último rival que restara pela glória de ser um cavaleiro e sua respectiva prova, a armadura. O rapaz havia se sagrado vencedor. Até hoje, seu coração palpitava a cada recordação desse momento de triunfo.
— A sorte me favoreceu naquele dia; foi apenas isso… mas, se fosse hoje, eu poderia vencer com a minha habilidade.
Não havia mentiras nessa convicção. Decerto, esse exíguo período de 2 anos, o treinamento em meio à cordilheira dos Pirineus, na Espanha, terá sido inestimável. Foi daí que essa crença inabalável surgiu.
Depois de insuflar morosamente seus pulmões, o jovem segurou a respiração e, cerrando os olhos como se concentrasse toda a sua consciência, armazenou sua energia. No átimo seguinte, como a neve derretida que desce uma corredeira, ou puros-sangues irrompendo da porteira, jorrou o cosmo emanado de cada centímetro do seu corpo.
O rapaz abriu os olhos lentamente, mirando um monte acutilado que se elevava atrás do longínquo Templo de Atena, Star Hill. Por alto, A distância devia ser de uns 3 quilômetros…
— Uohhh!
Seu punho direito, que visava Star Hill, foi desfechado numa fração de segundo. Com a pressão do ataque fendendo o ar a olhos vistos, a investida rugiu, viajando pelo espaço numa arremetida à velocidade da luz. Era como se a atmosfera chorasse.
O ataque, que chegou ao destino sem perder qualquer potência, atingiu o teto da construção no cume do monte, um observatório onde o Papa vaticinava o futuro mediante a leitura das estrelas. O impacto levantou duas colunas de fumaça.
O jovem, que não teve problemas para testemunhar o evento a olhos nus, ainda assim, mostrava descontentamento em sua fisionomia; entretanto, no instante seguinte, ele detectou um cosmo esplendoroso às suas costas.
— Hum? Este cosmo…! — com um sorriso no rosto, o jovem se virou.
Com um olhar afetuoso, Aiolos, o Cavaleiro Dourado de Sagitário, revelava um sorriso íntimo.
— Aiolos!
— Shura! Quando você voltou?
Sem responder uma só palavra, o jovem chamado Shura correu para os braços de Aiolos.
O Cavaleiro de Sagitário segurou Shura, proferindo uma exaltação: — Shura, parece que seu cosmo se aperfeiçoou ainda mais.
— Ainda não sou rival para você.
— Não, provavelmente já está no meu nível.
— Isso… No seu nível… Imagine! — Shura exibia pela primeira vez uma timidez compatível com sua idade.
Estendendo seu braço para congratular o companheiro com um aperto de mãos, Aiolos exclamou: — É o retorno triunfal do guardião da décima casa zodiacal, o cavaleiro de ouro Shura de Capricórnio. Parabéns, meu amigo!
Aiolos ficou sem palavras ao apertar a mão do jovem, pois parecia que ela havia sido forjada em aço, transmitindo todo o rigor do seu treinamento.
— Que mão é esta!? Isso significa que ele treinou até ficar assim… Fantástico, Shura! — pensou o cavaleiro da nona casa.
— Há algo errado, Aiolos?
O Cavaleiro de Sagitário voltou a si com as seguintes palavras:
— Shura, agora a Casa de Capricórnio já está intransponível, não é?
— Aiolos!!…
Com um olhar que parecia fitar seu próprio irmão mais novo, Aiolos assentiu em silêncio.
— Nada me deixa mais feliz que ouvir isso de você, Aiolos. Afinal, foi tendo você como meta que eu pude suportar todos os treinamentos, a despeito das dificuldades…
— Shura, a partir de agora, eu decidi esquecer que você é 4 anos mais novo que eu. Vá saudar o Grande Mestre. Vamos passar esta noite em claro para colocar os assuntos em dia.
Shura deu um grande sorriso. Ele estava realmente alegre. O fato de ter sido reconhecido por Aiolos, o Cavaleiro Dourado de Sagitário, o homem que ele tinha como modelo…
Como o Mestre do Santuário era uma existência que figurava no topo de todos os cavaleiros, por gerações, consolidara-se a tradição segundo a qual aquele entre os cavaleiros dourados que excelia em compaixão, sabedoria e coragem era escolhido por Deus, herdando seu posto do Grande Mestre anterior.
Além disso, era comum que a substituição do Papa ocorresse logo antes do início de uma guerra santa. Desde a invasão do Imperador do Oceano à Terra, o termo “guerra santa” tem designado os conflitos deflagrados por forças que desenvolveram a “Grande Vontade”, a volição divina.
Quando o mal assolava este mundo, a vinda de Atena prenunciava o introito de uma guerra santa, e os cavaleiros dispersos pelo mundo sob as ordens do Papa começavam a se arregimentar no Santuário. Até agora, incontáveis guerras santas se repetiram em intervalos de 230 a 250 anos.
A guerra santa mais recente ocorreu há 229 anos e, apesar de contar com o maior contingente de cavaleiros da história, 79 combatentes, foi uma batalha atroz, um jihad ao qual pouquíssimos sobreviveram.
Um dos cavaleiros sobreviventes à última conflagração é o preceptor de Shiryu de Dragão, o Cavaleiro Dourado de Libra, o Mestre-Ancião (Dōko) dos Cinco Picos Antigos, em Rozan. O outro é o atual Mestre do Santuário.
— Oh, Shura! Retornou em boa hora! — sentado no seu trono, o Papa, que ocultava sua figura envelhecida com a máscara e um distinto paramento sacerdotal, deu as boas-vindas a Shura.
— Vossa Santidade está animado! — Shura respondeu à saudação do Mestre com reverência, seguindo o protocolo.
— Tire esta noite de folga para relaxar.
— Shura, você ficou muito forte, hein…
Era uma saudação do irmão caçula do Grande Mestre, Arles, que se mantinha postado ao lado do trono.
— É muita gentileza sua, mestre Arles…
Auxiliando o pontífice, que, além da idade avançada, tinha ficado com o corpo debilitado, Arles o representava em uma parte das obrigações impostas pela função. Apesar de não estar qualificado para ascender ao posto de Grande Mestre em virtude de ser um cavaleiro de prata, sua personalidade confiável e sua ilimitada reverência ao Papa conquistaram a confiança dos cavaleiros, amealhando tanto apoio e respeito quanto o próprio irmão mais velho.
— Agora o cavaleiro dourado da Casa de Capricórnio também está perfeito…
— Arles, vamos transmitir a missão de Shura amanhã — disse o Papa, levantando-se lentamente do assento.
— Sim, Vossa Santidade!
— Shura, já pode se retirar. É melhor você se recolher para que tenha um bom descanso — disse Arles, aquiescendo à ordem do Mestre.
— Muito obrigado.
O Incidente
Quando Capricórnio fazia uma reverência e se preparava para deixar o recinto, ele sentiu um cosmo possante e agressivo às suas costas, fazendo com que todo o seu corpo se retesasse num reflexo incontinente.
— Que cosmo é esse?! — bradou o Papa.
— Saga!?
— Hã? — Shura se virou.
Com um sorriso frio nos lábios, Saga, o cavaleiro dourado de Gêmeos, avançou lentamente e, como dita a etiqueta, saudou o Mestre com mesura: — Vossa Santidade aparenta estar muito bem… Saga, o Cavaleiro de Ouro de Gêmeos, vem a sua presença.
Tencionando confirmar se o cosmo anormal provinha de Saga, Shura fechou os olhos. No entanto, de Saga emanava apenas uma sublime cosmoenergia, mais que perfeita para um cândido cavaleiro dourado.
— Que estranho… Quem diabos emitiu aquela cosmoenergia?! Será que alguém nocivo se infiltrou no Santuário? — questionava-se o guardião da décima casa.
— Você é?…
— Sou Shura, o Cavaleiro Dourado de Capricórnio.
— Oh, você é…
— Eu detectei um cosmo poderoso e agressivo agora há pouco. E você?
— Oh, eu não senti nada…
— Verdade?
Os dois se encararam de forma implacável, e a colisão de seus olhos afiados gerou faíscas.
— O… O que será essa luz suspeita irradiada no fundo das pupilas dele?…
Os dois insistiam em se encarar, mas o Papa dirimiu a tensão:
— Saga, e os movimentos de Posseidon?
— Até o presente momento, não houve nada em particular…
— Saga, observar Posseidon é de suma importância. Não podemos negligenciá-lo nem mesmo por um instante. Já se passaram 229 anos desde a última guerra santa. O dia em que Atena descerá à Terra se aproxima.
— Sim, Vossa Santidade!
— Saga, depois de tanto tempo longe, é melhor você passar esta noite no Santuário.
— Sou muito grato a Vossa Santidade!
Tornando a fitar Saga, que se curvava polidamente, Shura pensava: — Saga… que sujeito insondável…
O véu da noite foi envolvendo o Santuário. Seria o fulgor do manto estrelado a corporificação de um anjo de beleza eterna?…
Acomodado numa cadeira no terraço enquanto projetava as estrelas no cálice que trazia na mão, Shura pergunta a Aiolos:
— Aiolos, que tipo de cavaleiro é o Saga?
— O Saga?… Bem, temo que ninguém, nem mesmo o Papa, tenha sido capaz de perscrutar suas entranhas… Eis um sujeito que jamais revela suas verdadeiras intenções. Algo me diz que ele é o tipo de homem que carrega uma sombra sinistra…
— Hum…
Quando as pupilas enigmáticas de Saga emergiram na mente de Shura, embora tênue, ele pôde captar novamente aquele cosmo hostil.
— Aiolos?!
— Sim! — Aiolos também sentira.
— É isto! Foi este o cosmo que eu senti antes!
— Vamos, Shura! — exortou o Cavaleiro de Sagitário, colocando-se de pé logo em seguida.
— Hein!? — Shura não compreendeu.
Aiolos já estava correndo quando disse: — Shura, Sua Santidade corre perigo!!
— Hem!?
Aiolos corria em direção ao Salão do Mestre, e Shura o seguia.
— Maldição… Ainda não estou no mesmo nível do Aiolos…
Galgando os degraus de pedra num piscar de olhos graças a um sprint sobre-humano, digno de um cavaleiro dourado, a dupla chegou ao Salão do Mestre sem nem mesmo perder o fôlego. No arcôntico recinto, Arles atuava como um escudo humano para proteger o Mestre do assassino que atentava contra sua vida.
O fato é que Arles também era um cavaleiro de prata, e suas habilidades eram louváveis. No entanto, ele já havia sofrido alguns ferimentos. Por outro lado, o assassino estava incólume. É por isso que talvez se tratasse de alguém superior a um cavaleiro de prata. Como o rosto estava coberto por uma máscara, sua identidade era uma incógnita.
— Mestre Arles!
— Oh! É você, Aiolos?!
Shura vociferou para o sicário: — Quem é você, miserável?! Só mesmo o mais mentecapto dos homens ousaria invadir a sala do Grande Mestre do Santuário… Além disso, brandiu os punhos contra o Papa… Diga logo o seu nome!
— …
Entretanto, o sicário não emitiu uma só palavra.
Num aparente insight, Arles gritou: — Você… Será que você é?!…
— Você reconhece a vestimenta desse sujeito? — pergunta Shura a Aiolos.
— Não, é a primeira vez que a vejo.
A vestimenta do assassino que visava o Papa sem trégua era absolutamente diferente das armaduras, os trajes envergados pelos cavaleiros.
— Lembra vagamente as escamas de um peixe — pensou Shura.
O atacante nada respondeu, mas o Papa logo revelou a resposta: — Esse traje é chamado de escamas, as vestimentas envergadas pelos sequazes de Posseidon, os marinas.
— Marinas?! Escamas!? — era a primeira vez que Shura ouvia essas palavras.
— São indumentárias confeccionadas com o raríssimo oricalco.
— Então, você é um matador a serviço de Posseidon?!
Impassível também à inquisição de Shura, o assassino disparou um abrupto ataque à velocidade da luz contra o irmão do Grande Mestre. E, como já era esperado, mesmo Arles foi incapaz de eludir o ataque.
— Ughhh! — pressionando o abdome, Arles tombou de rosto no chão.
Sem perder um só segundo, o sicário saltou no ar e se aproximou do Papa.
— Oh, não!…
Quando Aiolos gritou, o assassino já estava diante do egrégio pontífice.
Contudo, apesar da idade avançada e, ainda que sua saúde estivesse fragilizada, em princípio, o Mestre também era um cavaleiro dourado. Não se trata de um homem que sucumbiria ignominiosamente nas mãos do assassino. O líder dos cavaleiros se esquivou facilmente da ofensiva do ferino atacante.
— Vossa Santidade!! — aos gritos, Aiolos e Shura saltaram em auxílio do Papa.
Nem mesmo um assassino com tamanha confiança em suas habilidades seria idiota o bastante para desafiar dois cavaleiros dourados em atividade. Dando um grande salto no espaço, ele se virou em direção às costas do Mestre.
— Oh, não!
O próprio Mestre não havia percebido que suas costas tinham sido tomadas. Com o Papa transformado em escudo humano, nem Aiolos nem Shura era capaz de interferir. Tudo que os cavaleiros podiam fazer era esperar um erro do assassino, permanecendo em posição de luta e sem mostrar qualquer brecha. Como era de se esperar, o suor derramava pela testa dos dois.
À semelhança do gato que brinca com o rato, o malfeitor, que usufruía de uma posição de completa vantagem, arrostava Aiolos e Shura com uma postura ameaçadora.
Nesse momento, Shura captou um cosmo possante e agressivo. Era idêntico ao que ele havia sentido no crepúsculo, no Salão do Mestre.
— É o cosmo daquela hora!!
Aiolos também o sentiu: — Esse… Esse cosmo… Será?!…
O defensor da nona casa do zodíaco se recordava dele.
— Se quiser sair vivo daqui, solte o Mestre agora mesmo! — bradou Aiolos, apontando o dedo indicador da mão direita para o assassino.
— Pff! — um murmúrio zombeteiro escapou da máscara.
O cosmo de Aiolos se elevou, e um pulso foi emitido de seu dedo indicador, atacando o sicário; entretanto, sem qualquer sinal de intimidação, o assassino se esquivou do ataque.
No instante seguinte, o facínora ergueu seu punho direito, fixando o Papa como alvo.
— Arff!! — Shura arfava o oxigênio circundante.
Estirado no chão, Arles levantou a cabeça e bramiu:
— A… Aiolos, conto com você!
Sem perder tempo, o Cavaleiro de Sagitário também vociferou: — Saga, pegue-o! É um atentado!
— Hum!?
No lapso efêmero de um piscar de olhos, uma diminuta hesitação foi percebida enquanto o matador projetava seu punho em direção ao Grande Mestre.
Como se expedisse um decreto ao Cavaleiro de Capricórnio, o Papa gritou: — Shura, dispare um golpe usando a mão como espada!
A mão direita de Shura se converteu prontamente numa espada, relampejando no braço direito do assassino.
— Ugh!
Foi um golpe de mão aberta completamente diferente do pretendido por Shura. Um movimento com a faca da mão que só poderia ser descrito como se algum poder externo tivesse operado nele, e seu braço, agido por conta própria. Mas a potência não foi menos que feérica. A ofensiva dilacerou o braço do sicário.
— Urgh!! — o sangue fresco gotejava pelo cotovelo do invasor.
O próprio Shura manifestou seu estupor: — O quê?! Que diabo foi isso?!…
Não foi uma surpresa quando Aiolos disparou um golpe à velocidade da luz contra o assassino, uma investida que poderia ser chamada de segunda flecha.
Pego com a guarda baixa, o assassino foi incapaz de se esquivar, recebendo a pesada e lancinante pressão do ataque na ombreira das escamas. Como esperado de uma vestimenta constituída de oricalco, a proteção não foi estilhaçada, mas voou pelos ares ao ser seccionada dos ombros.
— Urgh!!
Sem tempo para recompor sua postura de luta, o vilão foi alcançado por Shura, respondendo com um grande salto. Atuando em sincronia, Aiolos puxou o pontífice para perto de si e agiu como seu guarda-costas.
O assassino arremessou Shura no ar como se aplicasse a técnica de projeção tomoe-nage e logo se reergueu, mas Shura, que havia aterrissado depois de uma vivaz revolução aérea, e Arles, que usara todas as suas forças para se levantar, já estavam em posição de luta.
Enquanto protegia o Papa às suas costas, Aiolos fazia seu cosmo queimar. O invasor não tinha alternativa senão desistir. Afinal, ele não era tolo o bastante para se digladiar com quatro oponentes, dois cavaleiros dourados na ativa, um cavaleiro de prata e um antigo cavaleiro dourado.
Nitidamente frustrado, o sicário se virou e jogou seu corpo contra o vidro da janela. Tal qual o estrondo, os contornos do vilão foram esmaecendo na escuridão. Shura tentou sair em seu encalço, mas Arles o deteve:
— Shura, não vá atrás dele!
— Por… Por que não?!
— Lá fora está um breu absoluto… Se você cometer algum deslize e ele se aproveitar da escuridão, vamos acabar numa situação irremediável.
— É como Arles disse.
Ouvindo as palavras do Mestre, Aiolos trocou um olhar com Shura, assentindo com a cabeça para que o amigo obedecesse.
— Eu compreendo. Ainda assim, quem será aquele sujeito?!
Balançando a cabeça, Aiolos retorquiu:
— Supor que se trata de um assecla de Posseidon seria a conclusão natural, mas…
Arles continuava em silêncio.
— Aiolos, Shura, lamento por lhes causar problemas — disse o Mestre, abaixando sua cabeça.
— Mestre, por favor, não diga uma coisa dessas. Vossa Santidade jamais causa problemas.
— Exatamente.
Aiolos e Shura sentiram-se infinitesimais diante do Papa, que abaixara sua cabeça com tamanha humildade.
Na hora que Saga — que trajava uma camisa de manga longa ligeiramente incompatível com a temperatura que fustiga a Grécia em meados de outubro — chegou correndo, tudo já havia terminado.
— Saga, o assassino que acabou de atacar o Mestre…
A compleição de Saga mudou com as palavras de Shura.
— Como é!? Atacou Sua Santi… Quem diabo?!…
— Parecia um marina, de Posseidon.
— Um marina?!
— Saga, volte à vigília de Posseidon imediatamente.
— Sim, Santidade! — o Cavaleiro de Gêmeos curvou-se com deferência.
A Suspeita
Introspectivo, parecendo ponderar algo, o irmão do Mestre fitava atentamente cada ação de Saga.
Quando Saga, que já havia percebido e parecia desconfortável, lançou um olhar para Arles, o Mestre fez um anúncio importante:
— Cavaleiros, ouçam com atenção.
Aiolos e os demais ficaram em posição de sentido.
— Atena logo descerá à Terra.
— Hã?! — a convulsão foi geral.
— Atena finalmente descerá…
O coração de Shura palpitou mais que na ocasião em que ele fora agraciado com sua armadura.
Nesse momento, Arles não deixou de perceber um sorriso frígido emergindo na face de Saga.
— Saga…
O Papa prosseguiu:
— Como vocês bem sabem, a vinda de Atena se traduz nas primícias de uma guerra santa. Posseidon não é a única entidade que almeja este mundo. É provável que Hades, do Mundo dos Mortos, e Ares, o deus da guerra, ainda não tenham se desvencilhado de suas ambições. É imprescindível que nos preparemos para as guerras sagradas que estão por vir.
A tensão percorreu a face de Shura.
— É também por esse motivo que Saga deve se devotar de corpo e alma à vigilância dos movimentos de Posseidon! — continuou o Papa.
— Sim, Vossa Santidade!
— Além disso, Aiolos deve fortificar as defesas do Santuário.
— Como desejar, senhor.
— Shura, você deve apressar o treinamento dos cavaleiros pelo mundo.
— Sim, Vossa Santidade!
— Partam agora mesmo!
— Sim! — o cosmo dos três se incendiou.
— Shura, o golpe de mão aberta que você desferiu foi formidável.
— Sim, meu senhor. Nem eu sei ao certo o que aconteceu. Parece até que minha mão se moveu sozinha…
— Aquela foi uma dádiva oculta que Atena lhe concedeu…
— Hã? Uma bênção de Atena?!
A perplexidade não aturdira apenas Shura; o fato também deixara Aiolos, Saga e Arles atônitos.
— Sem dúvidas, a determinação divina é batizá-la de Excalibur, a espada sagrada.
— Excalibur?…
— Dedique-se ainda mais a fim de transformá-la numa técnica mortal. Para que você possa proteger Atena com a sua vida no advento da encarnação…
— Sim! Eu sou muito grato a Vossa Santidade.
Os olhos marejados de Shura, que fitava seu braço direito, verteram dois fios de lágrimas.
— Atena…
As lágrimas eram a prova até então inaudita de sua genuína gratidão a Atena.
— Que bom, Shura — disse Aiolos, segurando com firmeza o braço direito do amigo em felicitação.
— Obrigado, Aiolos.
— Parabéns, Shura! — congratulou Saga, que segurava o ombro do Cavaleiro de Capricórnio.
Os olhos de Arles cintilaram. Uma mancha escarlate tingia o punho da manga da camisa de Saga.
— Será… Será mesmo que o Saga?…
— Cavaleiros, é melhor vocês se retirarem.
Aiolos e os demais anuíam às palavras do Mestre.
— Saga, gostaria que fosse aos meus aposentos depois. Lamento pelo incômodo.
— Arles, algum problema?
— Só quero conversar um pouco…
Mostrando seu descontentamento nos ombros, Saga foi deixando o recinto a passos largos.
De volta a sua alcova, Arles estava absorto em seus próprios pensamentos: — A barreira do Santuário é fortalecida constantemente. Com exceção dos cavaleiros de ouro, não deveria haver ninguém capaz de trespassá-la. Se aquele assassino for um autêntico marina, o fato de a barreira acabar sendo quebrada… Mas, mesmo que fosse um cavaleiro de ouro, o Saga chegou atrasado. Além disso, a camisa de manga longa… Será que o sangue que parecia manchar o punho da camisa foi uma ilusão de óptica?…
Batiam à porta. Saga entrou. Alojando no fundo dos olhos um brilho de suspeição, Arles continuou em frente.
— Sobre o que você queria conversar?…
No instante que Saga quebrou o gelo, Arles agarrou o braço direito do cavaleiro dourado, arregaçando a manga de sua camisa com todas as forças de seu corpo.
— O… O que você está fazendo?!
No braço, puxado às pressas por Saga, saltava aos olhos um ferimento recente, a ferida infligida por Excalibur, de Shura.
— Eu sabia, Saga… Temo que ninguém além de mim tenha percebido. Se foi apenas um arroubo, vamos esquecer…
— Hu, hu, hu… Arles, se não atinasse com coisas que não lhe dizem respeito, teria conseguido viver uma vida um pouco mais longa…
— O quê?!
Os olhos de Saga foram completamente matizados de uma cor sanguinolenta, sedenta de sangue. Era uma personalidade totalmente diferente.
— Não me leve a mal. Tudo isto é para que eu, o Cavaleiro de Ouro de Gêmeos, possa governar este mundo em nome de Atena. Agir agora, na iminência da descida da deusa à Terra, é crucial. Como havia acabado de fulminar o pobre coitado de um marina, eu me apoderei de suas escamas… Tome isto! A maior técnica de Saga, Explosão Galáctica!!
A técnica mais possante de Saga explodiu. Ante essa ofensiva, o indefeso Arles iniciou sua jornada para o outro mundo. Mirando com desdém o corpo sem vida de Arles, Saga sorriu friamente.
— Hu, hu, hu! A partir de agora, serei o mestre Arles!
O ominoso cavaleiro removeu a máscara de Arles.
— Se o Cavaleiro de Ouro de Gêmeos percorrer os 7 mares para observar as ações de Posseidon… Em seu devido tempo, se eu cuidar do Papa e assassinar Atena, o Santuário será meu! Hu, hu, hu!!
O Advento de Atena
Um ano depois, a deusa tomou forma no Templo de Atena. Arles (Saga), que, após a morte do Grande Mestre, assumira o poder como papa interino até a eleição formal do pontífice, sussurrava com perfídia no ouvido de Shura, que, depois de 1 ano fora, retornara ao Santuário em meio ao frenesi da celebração.
— Aiolos conspira para assassinar Atena, e eu gostaria que você impedisse esse atentado de qualquer jeito.
— Como… Como é?! Isso é ridículo! O Aiolos não é esse tipo de homem!!
— Não se importa com o que acontecerá a Atena?
— Absurdo! Nós cavaleiros existimos para proteger Atena e combater a maldade neste mundo!
— Sendo assim, não há razão para digressões, não é verdade?
Shura hesitou. Afinal, era absolutamente inconcebível que Aiolos fizesse algo tão idiota.
— Mesmo que haja um substituto para o Cavaleiro Dourado de Sagitário, Atena não pode ser substituída, Shura!
— Muito bem. Eu confirmarei com Aiolos!
— Tolice!
— O quê?!
— Você acha que alguém responderia positivamente se fosse inquirido sobre suas intenções de matar Atena?!
— …
No mar do coração de Shura, tão impoluto quanto um espelho, foi arremessada uma grande rocha, o germe da desconfiança.
Nessa noite, sob a forma de uma menina recém-nascida, Atena (Saori) dormia no templo dedicado à deusa. Uma sombra se aproximava da criança, que não tinha como saber da existência de alguém que tencionava tirar sua jovem vida. Empunhando uma adaga com força, essa sombra trajava paramentos sacerdotais.
A silhueta que emergiu na fraca luz crepuscular era a de Arles, ou seja, Saga. Ao se aproximar do berço, ele ergueu a adaga acima da cabeça. Sem saber de nada, Atena continuava dormindo. Em meio ao resquício de luminosidade do ocaso, a adaga resplandecia.
— Morra, Atena!!
Mirando Atena, a adaga foi projetada para baixo em linha reta. Quando a lâmina estava a milímetros da criança, o punho de Arles foi agarrado firmemente por alguém.
— Urgh! Você… é Aiolos!
— Mestre Arles, mas que diabo… O senhor ficou louco?!
— Ehh… Solte-me!
Depois de puxar seu braço, o impostor tentou apunhalar o bebê mais uma vez; no entanto, com um átimo de diferença, Aiolos apanhou a criança, segurando-a em seus braços. Atena nem mesmo chorara…
— Mestre Arles, esta criança é a encarnação de Atena, que Deus nos envia de séculos em séculos. O senhor sabe!!…
— Não interfira, Aiolos!!
— Pare agora mesmo!
O punho do Cavaleiro de Sagitário explodiu em Arles, derrubando a adaga. A máscara também caiu no chão.
— Mas o quê?! — ao vislumbrar a face de Arles, o rosto de Aiolos se convulsionou em frêmitos de espanto.
— Sa… Saga!! Que diabo você…
— Uhh… Então, você viu, Aiolos! Não posso permitir que alguém que tenha visto o meu rosto continue vivo… Você também morrerá junto com Atena!!
Saga estendeu seu punho direito, e uma pressão digna de um cavaleiro dourado assaltou Aiolos. Com a manta que embrulhava o bebê nos braços, Aiolos conseguiu evitar a investida por muito pouco.
A pressão do ataque que Saga errou acabou demolindo a parede de pedra atrás do alvo. Esgueirando-se, Aiolos saltou pelo rombo que o golpe deixara.
— Alguém… Peguem-no!!… Aiolos tentou uma insurreição!!
Aiolos fugiu em desespero. Diante dos cavaleiros e soldados reunidos, Saga, novamente disfarçado de Arles, informou que o Cavaleiro de Sagitário havia tentado matar Atena e ordenou que partissem em seu encalço de imediato.
Ao ouvir o comunicado, Shura pensou que as palavras que Arles lhe confidenciara anteriormente eram verdade, passando a perseguir o guardião da nona casa sem demora.
— Aiolos, mas o que você…
Enquanto Shura seguia o paradeiro de Aiolos, a imagem do homem que ele reverenciava como um irmão mais velho bruxuleava em sua mente.
Com o bebê nos braços e a urna da armadura dourada de Sagitário nas costas, Aiolos correra até a parte exterior do Santuário. Mas seus pés haviam se detido. É que o Cavaleiro de Capricórnio se colocara em seu caminho.
— Aiolos, você acha que pode escapar tão facilmente?
— Espere, Shura! Ouça-me, por favor!
— Tentar dar desculpas a essa altura não combina com você. Eu o derrotarei. Vou fazê-lo com a espada sagrada que me foi concedida por Atena, Excalibur!
A figura do jovem que idolatrava Aiolos como a um irmão mais velho não estava mais ali. Banhada nas lágrimas de Shura, Excalibur talhou sucessivas fendas no solo…